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Opinião
Segunda - 30 de Julho de 2012 às 21:27
Por: Onofre Ribeiro

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Tenho uma propriedade rural em Acorizal, próximo a Cuiabá e lá, nos fins de semana, ouço bastante o rádio. Numa dessas sessões noturnas de “zapping” entre uma estação e outra, acabei por descobrir um programa na rádio 101,9, da capital, às 19h30m, que transmite recados das famílias para os presos em penitenciárias.

Como amante do rádio desde os anos de ouro da década de 1950, interessei-me de imediato pela iniciativa, até porque o rádio está morrendo cada dia mais, por absoluta preguiça de inovação. A emissora é arrendada para a Igreja Universal, e o programa, conduzido por um pastor chamado Modesto. Ele deixa os telefones abertos durante o programa e recebe telefonemas de parentes de presos. O tema são principalmente os recados, dolorosos. Aliás, dolorosíssimos!

São mães, esposas, noivas, namoradas, filhas e filhos, parentes, vizinhos e amigos tentando manter os laços de família com os presos e tentando dar-lhes um pouco de ânimo. É comum ouvir esposas, noivas, namoradas e filhos dizendo com dificuldades “eu te amo, viu?”. Imagino como fica o coração de quem ouve, lá do outro lado, confinado numa cela...! Os parentes falam muito da sua luta para libertá-los. Dolorosamente costumam confessar o enorme esforço junto a advogados, juízes e promotores de justiça em busca da liberdade para os presos.

Chamou-me muito a atenção o senso de amor que reina entre quem liga sobre quem recebe a ligação. Não se discute e nem se trata ou critica o que a pessoa presa fez. Trata-se o crime como um mal que tirou a liberdade, sem nenhum juízo de valor. Não se discute se foi um assassinato, um estupro, um latrocínio, um assalto, um massacre, tráfico repetido de drogas, ou qualquer outra violência praticada, que levou o parente pra prisão.

Quer-se apenas “a liberdade em nome de Jesus”. Confesso que vez por outra ouço novamente o programa por causa de seu fortíssimo conteúdo humano. Mas o que chamou-me mais forte a atenção é que além do amor e do desejo de libertação dos parentes, as famílias não tem nenhum plano para eles quando livres. Confiam apenas no mesmo Jesus que os libertou e na sua luta para mantê-los livres aqui fora. Isso fica muito claro nos depoimentos das famílias pedindo juízo aos filhos para não repetirem os crimes e não voltarem à terrível prisão.

Essa falta de projetos tocou-me profundamente, porque, de fato, os presos sairão livres mais hora menos hora, e não tem a menor chance aqui fora. Retornam às velhas amizades como única alternativa, repetem os mesmos erros por que não possuem educação para uma vida social normal, ou porque são discriminados mesmo. Mas poderiam ter sido salvo antes da ser presos a primeira vez se tivessem educação familiar, escolar e técnica que lhes desse a oportunidade de serem seres sociais normais.

Na cadeia, poderiam ter alguma chance de aproveitar o tempo ocioso. Em vez de articularem crimes fora, poderiam ter o que não tiveram: educação técnica, ensino didático e chances de vida produtiva. Mas a prisão também conspira contra eles, porque ela é inútil como educadora. Ao contrário, é cruelmente educadora pro crime.

E cá fora, famílias pobres rezando pela liberdade passageira dos filhos. Mas a emissora de rádio faz o seu papel. Mais do que isso, seria papel do Estado ou da sociedade, que não se falam.
 



Autor

Onofre Ribeiro
onofreribeiro@onofreribeiro.com.br www.onofreribeiro.com.br

É jornalista em Cuiabá.

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