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Opinião
Terça - 30 de Março de 2010 às 07:32
Por: Antonio Gonçalves

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Em todo caso julgado pelo júri popular as pessoas e a mídia em geral se impressionam pela complexidade e, em especial, pela longa duração do julgamento. Afinal, não há como negar que o Júri em si é fascinante em todas as suas nuances.

As reviravoltas, as estratégias, em especial na oitiva das testemunhas, delineiam o longo caminho a ser trilhado tanto pela acusação quanto pela defesa.

Em alguns momentos se duvida da culpa, em outros, uma certeza latente e a emoção reverbera a alma. Após dias e dias de incerteza vem a sentença com a esperada condenação e a opinião pública fica com o sentimento de que a justiça foi feita. Ledo engano!

Todo esse espetáculo, na verdade, será traduzido em parcos anos de cumprimento de pena. O caso Isabella Nardoni retrata fielmente a questão, pois, apesar de uma condenação elevada, no Brasil existe uma limitação ao período de cumprimento de sentença que é de trinta anos.

Com os benefícios da lei, é possível a progressão de regime após o cumprimento de 2/5 da pena, por ser considerado crime hediondo, ou seja, depois de oito anos para Anna Carolina e dez anos para Alexandre, já descontados o período cumprido antes do julgamento, já estarão aptos a receberem as benesses da legislação, portanto, migrar para o semi-aberto, isto é, sair do universo prisional.

Então, na prática, o casal ficará preso pouco menos de uma dezena de anos para já estar habilitado à progressão de regime e, assim, migrar para o semi-aberto. Todo o tempo e o esforço em busca da justiça se traduzirão em parcos anos de pena para um crime vil e atroz contra uma menina, uma criança inocente, que foi brutalmente assassinada.

Isso sem falar na possibilidade de impetração do pedido de protesto por novo júri por parte da defesa, apesar de toda controvérsia doutrinária, numa clara tentativa de obter um novo julgamento, apesar do Juiz já ter sinalizado com a dosimetria da pena: 31 anos, um mês e dez dias para Alexandre e 26 e quatro meses anos para Anna Carolina, que não aceitará o pedido.

E, ainda assim, é possível recorrer ao Tribunal de Justiça de São Paulo, mas este possui entendimento pacífico em negar tal pedido, logo, restará a espera do STJ e o transcorrer de longos anos.

Ademais, também é passível de apelação, isto é, o recurso para que o Tribunal de Justiça reverta à decisão do Tribunal do Júri. Ao menos essa possibilidade deve demorar mais do que a soltura do próprio casal, já que a justiça paulista ainda nem julgou o pedido de apelação de Suzane von Richthofen, imagine quantos anos demorará a apelação do caso Isabella?

De tal sorte que o sentimento de impunidade impera, a certeza da justiça e do dever cumprido se esvai e o descrédito no sistema é inevitável. De que adianta termos um Júri tão complexo para um resultado prático tão pífio.

Por resultados como esse que a mídia critica, com razão, o sistema processual brasileiro e divulga amplamente que a impunidade está incorporada à agenda do dia da justiça nacional. 

 

* Antonio Gonçalves é advogado criminalista, membro consultor da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP e membro da Association Internationale de Droit Pénal - AIDP. Pós-graduado em Direito Penal - Teoria dos Delitos (Universidade de Salamanca - Espanha). Mestre em Filosofia do Direito e Doutorando pela PUC-SP. É especialista em Direito Penal Empresarial Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal); em Criminologia Internacional: ênfase em Novas armas contra o terrorismo pelo Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, Siracusa (Itália);  Fundador da banca Antonio Gonçalves Advogados Associados, é autor, co-autor e coordenador de diversas obras, entre elas, "Quando os avanços parecem retrocessos -Um estudo comparativo do Código Civil de 2002 e do Código Penal com os grandes Códigos da História" (Manole, 2007).



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