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Opinião
Terça - 12 de Janeiro de 2010 às 15:57
Por: Enock Cavalcanti

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Meus amigos, meus inimigos: os advogados Ademar Adams e Bruno Boaventura e o líder comunitário João Batista Benevides, o Tito, fundador da Associação de Moradores do Terra Nova e atual presidente do Instituto de Defesa do Consumidor são o que pode chamar de militantes. Dedicam parte do seu tempo às lutas sociais, sem que percebam nada por isso. São voluntários e se encontram no esforço comum de dar vida ao Moral - Movimento Organizado pela Moralidade Pública e Cidadania. Militante, hoje em dia, é coisa rara, seja no movimento comunitário, seja no sindical.

Como bem identificou, recentemente, a militante Regina Borella, a militância sem remuneração se rarefez, depois que o PT, o Partido dos Trabalhadores e seus aliados foram para o poder, no plano federal, no plano estadual e no plano municipal. Os militantes criaram o PT e os demais partidos populares - mas, à medida que seus partidos foram ganhando espaço institucional, precisaram lançar mão desses militantes como secretários de Estado, chefes de gabinete, assessores dos mais diversos tipos, fazendo com que o "militante puro" seja, hoje, uma raridade. O que existe hoje, na feliz expressão de Regina Borella, é uma grande militância holeritizada, que recebe para assessorar partidos e políticos populares nas diversas esferas de poder, deixando um tanto quanto de lado suas bases de atuação originais, a partir das quais se deveria forjar a democracia direta.

Por isso é que encaro o Adams, o Boaventura e o Tito com tanta consideração: eles militam no combate à corrupção, em Cuiabá, e não são holeritizados - pelo menos, por enquanto. Claro que muita coisa mudou na qualidade de atuação dos militantes, depois que se tornaram massivamente holeritizados, tanto que o pensador Chico de Oliveira já chegou a falar na criação de uma nova classe social, em seu livro "Critica à razão dualista: o Ornitorrinco" (Boitempo Editorial), que reuniria, de um lado, técnicos e economistas doublés de banqueiros, núcleo duro do PSDB, e trabalhadores transformados em operadores de fundos de previdência, núcleo duro do PT e que ocupariam, hoje, um vão social, entre a burguesia e o proletariado. São transformações e adaptações que acontecem agora, sob nossos olhos e são poucos os cientistas sociais capazes de decodificar esses fenômenos tão contemporâneos. Se os cientistas sociais falham nesta decodificação, imaginem eu, modesto cidadão, jornalista pouco aplicado aos estudos.

O que gostaria de contar é um episódio que aconteceu durante reunião recente do Conselho Superior do Ministério Público de Mato Grosso, quando Adams, Boaventura e o Tito lá compareceram para defender a revisão de um posicionamento expresso pelo promotor Gérson Barbosa em rumoroso processo que cerca a implantação de um conjunto de prédios, na cercania do Shopping Pantanal, pela multinacional Brascan.

Os procuradores ouviram, ouviram as explanações dos militantes e acabam dizendo que não havia jeito, defenderam a preservação do parecer de Gérson Barbosa. Cumprido sua missão, os três militantes saíram da sala em que se reuniam as eminências do MP em nosso Estado. Bastou os três ativistas do Moral virarem as costas, e começou a gozação entre os ilustres membros do Parquet. Só que os ilustrados mestres esqueceram-se de que a reunião era gravada em vídeo e a cena ficou registrada para a História: o Procurador Geral de Justiça, Marcelo Ferra, em certa altura aparece referindo-se aos militantes do Moral: "Esses aí são uns chatos profissionais!" Segue-se ao comentário uma gargalha geral. Achei deprimente a cena.

Vivendo como vivemos, essa fase de transição nos comportamentos políticos me parece temerário que, do alto de sua importância, os mais altos membros do Ministério Público, tratem dessa forma aqueles que, numa sociedade viciada e acomodada como a nossa, ainda se dispõem a assumir a militância em defesa de bandeiras sociais, como o ambientalismo e o combate à corrupção. É um tapa na cara de tantos quantos se esforçam pelo engajamento das pessoas na defesa da Lei, das instituições e da dignidade pública. Ainda mais quando é gozação que prospera no seio do MP, para quem as organizações empenhadas no controle social deveriam se constituir em parceiros fundamentais.

Particularmente, fiquei chocado com o provincianismo rastaqüera de quem, presidindo uma instituição de tão grande importância para o aperfeiçoando das práticas democráticas em nossa comunidade, parece estar ideologicamente comprometido com a mesquinharia. Não sei mais o que dizer. Acho, todavia, fundamental que o fato e seus personagens sejam devidamente registrados para a necessária reflexão sobre a comunidade que temos e a comunidade que precisamos ter.

ENOCK CAVALCANTI, jornalista, é titular do blog www.paginadoe.com.br.



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