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Opinião
Terça - 01 de Abril de 2014 às 08:49
Por: Paulo Leite

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Paradoxalmente, na véspera dos 50 anos da eclosão da ditadura militar, tanques e blindados da Marinha desfilaram triunfantes, neste domingo, pelas ruas do Rio de Janeiro, não para comemorar o aniversário do golpe de 64, mas para apoiar as forças de segurança pública cariocas no combate ao narcotráfico. Há meio século, diferentemente, o Exército invadiu a cidade para depor o presidente João Goulart. Era o início de 21 anos da mais infame ditadura da história nacional.

Em 64, o Brasil vivia um clima de radicalização política. De um lado, as esquerdas cobravam reformas profundas na economia e na área social; já os setores democráticos e a direita temiam uma guinada do governo para o regime comunista. Líderes políticos como os governadores Adhemar de Barros (SP), Magalhães Pinto (MG) e Carlos Lacerda (GB) conspiravam com setores das Forças Armadas. "A ditadura militar foi o tempo mais sombrio para as instituições democráticas nacionais"

Após o comício da Central do Brasil, no dia 13 de março, quando Jango assumiu as teses da esquerda e anunciou um amplo programa de reforma agrária, a estatização das usinas hidrelétricas e a intervenção no sistema bancário, foi dada a senha para que a conspiração deixasse as grutas do anonimato e ganhasse personalidade política. A direita reagiu angariando a simpatia da igreja, da imprensa e, sobretudo, da classe média. A ameaça do comunismo assustava a população.

Na madrugada do dia 31 de março, o general Olímpio Mourão Filho, incentivado pelo governador mineiro Magalhães Pinto, mobilizou as tropas da 4ª Região Militar de Juiz de Fora, em direção ao Rio de Janeiro. Colocava em marcha a Operação Popeye, que pretendia derrubar o presidente da República. Antes de Mourão chegar ao seu destino, os generais Castello Branco e Costa e Silva dispararam telefonemas para os demais comandantes militares conferindo unidade e força política ao golpe.

No Palácio das Laranjeiras, Jango, isolado e enfraquecido, não tinha ânimo para reagir. Evitou qualquer tipo de retaliação, fosse política ou armada. Não queria derramamento de sangue. Cansado, o presidente preferiu refugiar-se no Uruguai. Pagou o preço pela ousadia de desafiar as elites e manter-se, até o fim, comprometido com suas teses e com os grupos que sustentavam sua gestão.

Depois de vitoriosa a conspiração, que os civis previam que seria apenas uma preparação para as eleições de 1965, portanto, um período transitório, a linha dura do Exército deu o golpe dentro do golpe, marginalizando a classe política e, em alguns casos, traindo seus antigos parceiros com cassações e até prendendo arbitrariamente alguns deles. Aos inimigos, o castigo foi ainda maior: tortura e morte.

A ditadura militar foi o tempo mais sombrio para as instituições democráticas nacionais. Foram os anos de chumbo, a treva política do país. Toda uma geração de brasileiros foi submetida ao medo, à chantagem e à intimidação. Nossa consciência política foi aprisionada nos porões da infâmia. Os militares retardaram nosso desenvolvimento humano e suprimiram nossas liberdades individuais. E, um povo sem liberdade, converte-se numa comunidade de párias, de cidadãos pela metade, que perdem o senso crítico e afastam-se do exercício democrático.

Por isso mesmo, é triste ver que as autoridades do governo civil do Rio de Janeiro, 50 anos depois do golpe, recorram aos tanques e blindados da Marinha para enfrentar os bandidos do narcotráfico.



Autor

Paulo Leite

PAULO LEITE Leite é jornalista e escritor em Cuiabá

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