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Opinião
Quinta - 31 de Julho de 2014 às 14:46
Por: Roberto Boaventura

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Por conta da morte de três escritores brasileiros em uma só semana, compartilhei em meu artigo anterior uma preocupação minha já antiga: a dificuldade que o Brasil tem de qualificar o intelecto das novas gerações.

O desafio – por questões políticas – acentua-se em relação aos pobres. A eles, além de uma chocante desagregação familiar, só resta o ensino público; com raras exceções, o que há de pior em matéria de educação nos níveis básico, fundamental e médio.

As camadas sociais médias – que nada têm a ver com a falsa ideia da “nova classe média” – pulam miudinho para oferecer uma educação meia boca para seus descendentes. Em geral, eles frequentam escolas particulares medianas; logo, longe do razoável.

Por sua vez, pouquíssimos brasileiros, economicamente privilegiados, estão matriculados em escolas particulares que custam o olho da cara. Quando querem, ainda têm contato com os melhores espaços educacionais de outros países. "As camadas sociais médias – que nada têm a ver com a falsa ideia da “nova classe média” – pulam miudinho para oferecer uma educação meia boca para seus descendentes"

Assim, resguardando poucas diferenças, estamos em pleno século XXI reproduzindo práticas recorrentes dos tempos coloniais, que perduraram do início do século XVI até quase o final do primeiro quartel do século XIX.

Para quem achar exagero nessa minha leitura comparativa, destaquei dois exemplos extraídos da mesma fonte. Para nos angustiar, eles não são exceções.

O primeiro deles – reconhecendo não ser tão abrangente quanto o segundo – refere-se às crianças que trocam “salas de aula por trabalho e lixões em Alagoas” (Bom dia Brasil/Globo: 28/07/2014).

Como é sabido, no final desta semana termina o prazo para que os municípios brasileiros acabem com os lixões. Metade dos municípios não cumprirá o prazo.

Logo, além de crianças alagoanas de Atalaia, crianças de outras cidades continuarão a revirar lixo para encontrar ali condições para sua própria alimentação. Isso é muito diferente dos tempos coloniais?

Mas se a condição degradante de crianças trabalhando em lixões não é para todas as demais, a outra matéria do mesmo telejornal, e do mesmo dia, expõe – à lá jornais de sindicatos da educação – a aberração dos contratos temporários de professores.

Conforme a matéria, a “Contratação de temporários prolonga problema de falta de professores na rede pública”. Para ilustrar o tamanho do apagão, alguns exemplos foram exibidos no mesmo Bom dia Brasil. Disso, é difícil um pobre escapar.

“Em uma escola em Brasília, desde o início do ano, os alunos não têm aula de história, por falta de professor... Na Bahia, a rede pública tem 36,5 mil professores efetivos. Temporários são 4,5 mil... O déficit chega a dez mil... No Piauí, são quatro mil professores temporários... Só em Teresina, faltam pelo menos 1,5 mil docentes. Disciplinas importantes estão deixando de ser ministradas...”

Conforme a matéria, os alunos se queixam. “No final do ano a gente fica com dificuldade nas provas”, diz um jovem. Outra estudante expõe sua preocupação: “ainda não se sabe o que vão fazer com as notas, porque a gente está sem professor e não vai ter nota esse bimestre”.

Haverá notas, sim!

Como, se não há professor?

Inventarão um “trabalho” qualquer. Uma mentirinha, pois ninguém o lerá. Essa prática é recorrente há muito tempo. Além do mais, com nota ou sem nota, pouca coisa muda, pois o sistema sequer aceita reprovações. Logo, o problema é bem maior.

Dessa forma, toda vez que morre um intelectual, eu me apavoro. Ponho-me a pensar sobre esse apagão do intelecto, pois vejo meu país se afundando no lamaçal da ignorância, mãe de toda estupidez humanamente criada.



Autor

Roberto Boaventura

ROBERTO BOAVENTURA  é doutor em jornalismo e professor de Literatura da  UFMT

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