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Opinião
Quinta - 30 de Outubro de 2014 às 17:03
Por: Roberto Boaventura

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A semântica é um dos elementos da língua. Ela trata do significado das palavras. Pela simples escolha de um vocábulo, sabemos muito das intenções inseridas em um discurso.

Como acabamos de sair de uma campanha eleitoral, os discursos estiveram em alta. Deles, algumas palavras foram usadas à exaustão. Delas, destaco duas: “novo” e “mudar”. Na disputa à Presidência, isso se assemelhou aos mantras.

Demonstrando que as palavras para nós não têm peso, a candidata vitoriosa – que lutara pela reeleição – teve a ousadia de falar em “novo governo”.

Novo?

Seja como for, 51,64% deram créditos a esse embuste.

Já o candidato derrotado conseguiu fazer 48,36% acreditarem em outro embuste: mudança. "Particularmente, vejo o Brasil no rumo das fragmentações sociais; tudo por conta de uma pauta e uma prática políticas que não favorecem o diálogo, tampouco a união dos brasileiros, historicamente marcados, sim, por divisões e injustiças sociais. "

Impossível. No limite, uma vitória sua significaria apenas uma troca, uma vez que não estavam em pauta sequer as matrizes ideológicas do neoliberalismo que sustentam ambos os grupos.

Para confirmar, recorro outra vez ao artigo “Pela esquerda, com a direita” de Daniel A. Reis (Folha de S. Paulo: 15/10/14), que afirma: “O PSDB está de rosto colado com liberais e reacionários, e o PT, ‘cheek to cheek’ (de rosto colado) com a vanguarda do atraso”.

Irrefutável.

Logo, estávamos perante dois embustes vindos de dois agrupamentos de velhacos da política nacional.

Pior: houve eleitores (tolos, é óbvio!) comparando essa briga sem fundamento. Briga fomentada pela legenda da candidata à reeleição. Tal legenda deu o tom da divisão entre os brasileiros: ricos e pobres; nordestinos e sulistas... Mais: exploraram o medo de perdas de políticas focalizadas, como o bolsa família, escola etc.

Isso entrou nas redes sociais e ecoou desonestamente até dentro das federais. Ali, de forma covarde, houve professores – que também acrescentando seus salários com bolsa do governo por meio de projetos variados – chantageando acadêmicos que recebem algum tipo de auxílio financeiro. Dentaduras do passado!

Agora, passadas as baixarias, o que restou à vovó reeleita foi apelar para a união de todos, destacando a importância do diálogo. Para sua felicidade, seu concorrente – não por nobreza, mas já pensando em 2018 – fez o mesmo apelo.

Difícil, tanto no Congresso quanto fora dele.

Particularmente, vejo o Brasil no rumo das fragmentações sociais; tudo por conta de uma pauta e uma prática políticas que não favorecem o diálogo, tampouco a união dos brasileiros, historicamente marcados, sim, por divisões e injustiças sociais.

A título de exemplo dessa dificuldade, a universidade em que trabalho está realizando concurso público para docentes. Pela primeira vez, o concurso está dentro da lei (aprovada às pressas, sem diálogo algum, por um Congresso dominado pelo governo) que estabelece cotas raciais no serviço federal.

Assim, em duas áreas de meu departamento, só candidatos pretos ou pardos poderão concorrer; ou seja, para reparar erros do passado, cometemos outros erros no presente: exclusões de brancos, vermelhos e amarelos.

Desconfortos à vista!

Hoje, já há acadêmicos cotistas nas universidades. Todavia, nós, professores, não os identificamos. Não nos preocupamos com isso. Agora, num concurso para docentes é diferente. Sabemos que o novo colega estará ali, antes de tudo, por sua cor e não por seus méritos, que até podem existir.

Lamentável. Esse tipo de desconforto entre pares seria dispensável, pelo menos dentro das universidades públicas. Isso é uma nova modalidade de divisão, um novo tipo de exclusão que pretende vencer exclusões.

Realmente, o diálogo entre nós, brasileiros, é tão necessário quanto difícil.



Autor

Roberto Boaventura

ROBERTO BOAVENTURA  é doutor em jornalismo e professor de Literatura da  UFMT

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