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Opinião
Segunda - 08 de Dezembro de 2014 às 23:10
Por: Margareth Botelho

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Vez por outra somos surpreendidos por atitudes que escancaram o quanto engatinha a chamada sociedade brasileira. Conceitualmente, no rigor dos códigos de conduta adotados por shoppings país afora, eu sou uma ‘vadia‘ e minha filha de 17 anos uma ‘infratora‘ em potencial. Sou vadia segundo estabelecimento do Rio de Janeiro, que classifica com este adjetivo pessoas que circulam pelo local sem motivo definido. Minha filhota não pode passear aos sábados em um shopping de Cuiabá, que proíbe a entrada de menores de 18 desacompanhados dos pais ou responsáveis. O veto seria preventivo de rolezinhos e outras ‘ações marginais‘, supostamente combinadas pela galerinha.

Sobre ser vadia nos critérios cariocas de conduta é de fazer rir. Uma gracinha que pode acabar na esfera judicial. Moralismo à parte, o uso do termo vadiar é absurdo e fere a dignidade das pessoas. Uma qualificação reconhecidamente arbitrária, preconceituosa e que -hahaha -, representa tiro no pé dos marqueteiros. Se a propaganda é a alma do negócio, as vitrines maravilhosas dos shoppings são programadas para liberar os mais selvagens instintos consumistas do ser humano. Com facilidades de parcelas a perder de vista e outros ‘golpes‘ do crédito acessível que cabe certinho no bolso, vadias vão ao delírio para satisfação dos lojistas.

"Longe de ser contra ao monitoramento de quem circula no local, desde que seja estendido a todos os clientes e de todas as classes sociais" Emblemático é o caso cuiabano. Não tenho dúvida que a seleção dos adolescentes esconde critérios sociais. E explico. Minha filha não foi barrada na entrada do shopping e nem lhe pediram identidade. E olha que ela não aparenta ter 17 anos. Maioria lhe daria uns 14. Do grupo de 6 adolescentes que planejavam cinema e lanche, 4 ficaram de fora. Duas meninas apresentaram RG e foram mandadas de volta para casa. Um chamou a mãe e entrou acompanhado. Dois meninos negros, que usavam bonés, bermudas e chinelos, receberam sonoro não. Tentaram argumentar. Foram atropelados pelo tumulto que aos sábados agora se forma nas portas de acesso ao shopping. Um dos barrados faz faculdade dentro do próprio shopping e está com 19 anos. O irmão tem 17.

Fiquei indignada quando minha filha me contou a história. Norma descabida que coloca todos na vala comum. Quem disse que apenas jovens de baixo poder aquisitivo são praticantes de delitos ou líderes de rolezinhos? Não consigo ver coerência na decisão do estabelecimento e um dos motivos é ter convicção que muitos pais vão entrar com os filhos e depois marcar hora para buscar. Eu mesma aderi ao modelo. Eu e toda a vizinhança do shopping. Longe de ser contra ao monitoramento de quem circula no local, desde que seja estendido a todos os clientes e de todas as classes sociais. Também não responsabilizo somente os seguranças por erros na seleção dos que podem entrar no centro comercial.

Imagina, retomando a história do Rio de Janeiro, como deve ser difícil para um segurança abordar alguém e identificá-lo como ‘vadio‘? Não sei qual orientação recebeu a equipe de segurança do shopping daqui de Cuiabá. E nem sei se é possível, por melhor que seja o treinamento, conduzir a seleção se não existe porta de entrada apropriada ao serviço. E as lojas com entradas exclusivas, a quem caberia fiscalizar?

Advogados do shopping atestam que o direito de ir e vir não é absoluto. Sim, acredito. Apenas não gostaria de me deparar, da noite para o dia, com instruções cravadas em placas para ingresso no estabelecimento, com dizeres do tipo: Menores de 18 anos não podem entrar desacompanhados. Meninos e meninas usando bonés e chinelos serão barrados automaticamente. Casos envolvendo adolescentes negros serão analisados separadamente e a observação final: Shopping é destinado à Classe B.



Autor

Margareth Botelho

MARGARETH BOTELHO é jornalista em Cuiabá

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