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Opinião
Sábado - 24 de Janeiro de 2015 às 09:16
Por: Gaudêncio Torquato

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O PMDB é o único partido político, no Brasil, que consegue subverter a aritmética: quanto mais dividido, mais força detém.

E a explicação se deve ao fato de que a divisão do partido em alas e grupos estaduais lhe proporciona um arco agigantado de alianças com outros entes, o que lhe confere sempre ampla presença e forte mando nas estruturas administrativas dos governos federal, estaduais e municipais.

Na lição de pragmatismo que expressa com tal estratégia, o partido passou a ser malvisto por certos setores, impregnando-se de conteúdos que o identificam com oportunismo, imerso nas entranhas das máquinas e exibindo incontida vocação pelo poder.

Nos últimos tempos, em função dos escândalos que têm solapado a administração pública no país e borrado a imagem de parcela do setor produtivo privado, outras siglas desceram ao inferno da Imagem, a ponto de o PT, que passou anos vestindo o manto de vestal da República, aparecer, hoje, como o mais atolado na lama da corrupção.

Na verdade, as práticas políticas hodiernas continuam atreladas à carruagem do patrimonialismo, continuando a ser uma utopia qualquer modelagem política com a régua da ética e dos bons costumes.

O PMDB, que liderou o movimento pela redemocratização do país, na década de 80, ganhando o respeito e a crença da sociedade, amoldou sua postura aos tempos da competitividade política, sabedor que é da tarefa complexa de mudar a cultura política da noite para o dia. Daí sua opção pela ampliação de seu leque político. "Quem está fazendo papel de bombeiro e de algodão entre cristais é o vice-presidente do partido, Michel Temer. Que sempre tem conseguido, nas crises, unir as alas do PMDB"

Há 30 anos, Ulysses Guimarães abria a sessão do Congresso que elegeu Tancredo Neves para a presidência da República com estas palavras: ‘O PMDB caminhou 20 anos pela via áspera e tormentosa da resistência, entre cruzes, banimentos e proscrições cívicas para chegar a este dia, tomando dura decisão política, imposta pela circunstância e plebiscitada pela Nação.’ Traduzia o discurso cívico do partido.

Tancredo foi eleito pela Aliança Democrática, coligação entre o PMDB, principal partido de oposição à ditadura militar, e os dissidentes do PDS, que formavam a Frente Liberal, patrocinadora do candidato derrotado, Paulo Maluf. Tancredo teve 480 e Maluf, 180 votos, com 17 abstenções e 8 ausências.

Com a morte de Tancredo, José Sarney, o vice, assumiu o governo e, em 1986, na esteira de um programa populista e de clima de ‘revolução francesa’, os gritos presos jorrando das gargantas, o PMDB forjou seu império.

Elegeu 21 dos 22 governadores de Estado, perdendo apenas em Sergipe para o candidato Antonio Carlos Valadares, do então PFL, e conquistando 54% das cadeiras do Congresso.

A eleição ocorreu sob a euforia do Plano Cruzado (congelamento de preços), detonou a explosão do consumo e criou os ‘fiscais do Sarney’, que passaram a denunciar remarcação de preços.

Nas eleições municipais seguintes, o PMDB, fortemente estabelecido nas máquinas estaduais, criou formidável base municipal, tornando-se, de lá para cá, o partido mais capilar do Brasil.

Essa herança continua sendo a mais densa. Sua preservação se deve ao fato de o partido produzir alianças com os parceiros mais convenientes nos Estados. Daí a regra a que se impôs: dividir para somar.

Eis o imbróglio que tem perturbado siglas grandes e médias, incomodadas com o poderio de fogo peemedebista.

Ao que se vê, haveria um complô no sentido de arrefecer a força do PMDB, estratégia que teria como comandantes os atuais ministros Gilberto Kassab e Cid Gomes, o primeiro, presidente do PSD, e o segundo, ex-governador do Ceará, que dá as diretrizes no PROS.

O fato é que a articulação para derrubar o principal da base governista ameaça se transformar em bumerangue.

Não só pela alta probabilidade de PMDB eleger os dois presidentes das Casas Congressuais, mas pela insensibilidade do núcleo duro do Palácio do Planalto (Mercadante e adjacências).

Um PMDB alijado do centro do poder significa lenha pesada na fogueira no segundo mandato da presidente Dilma.

Quem está fazendo papel de bombeiro e de algodão entre cristais é o vice-presidente do partido, Michel Temer. Que sempre tem conseguido, nas crises, unir as alas do partido.

Daí a força de sua ação para evitar o descalabro do governo logo no início da legislatura.



Autor

Gaudêncio Torquato

GAUDÊNCIO TORQUATO é jornalista, professor titular da USP e consultor político e de comunicação

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