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Opinião
Terça - 07 de Fevereiro de 2017 às 11:25
Por: Bruno Choairy Cunha de Lima

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É conhecido o encaminhamento ao Congresso Nacional, pela Presidência da República, do PL 6.787/2016, o qual, dentre outras providências, introduz um novo artigo na CLT, prevendo que a convenção ou o acordo coletivo de trabalho tenha força de lei quando tratar de treze temas listados no artigo 611-A, incluindo jornada de trabalho (que seria limitada a 220 horas mensais).

Cuida-se do já popular "negociado sobre o legislado", que pretende relativizar a proteção instituída pela lei trabalhista, permitindo, assim, que a negociação coletiva, empreendida entre sindicato e empresa ou entre sindicatos, possa afastar determinada regra legal.

Essa proposta legislativa tem recebido uma ampla e incomum aprovação por parte dos grandes veículos da mídia, sempre com base em depoimentos de "especialistas", sobretudo do ramo da economia. Tais depoimentos, todos uniformes, invariavelmente apontam para supostos benefícios econômicos decorrentes de eventual aprovação do projeto de lei, como crescimento econômico, ampliação do emprego, etc.

O discurso desenvolvido é, a princípio, bastante simpático ao público em geral, soando como música aos ouvidos daqueles que esperam a retomada da economia, sejam trabalhadores ou mesmo empresários.

O que esse discurso ignora, contudo, é que existem limites jurídicos à reformulação da proteção social outorgada pelo direito do trabalho, que se encontram basicamente em regras e princípios constitucionais, independentemente de hipotéticos benefícios econômicos da aprovação do aludido projeto de lei - benefícios de resto não comprovados, mesmo porque inexiste uma relação entre diminuição da proteção do trabalho e incremento da economia, como já apontado reiteradamente por diversos profissionais do direito do trabalho e até por economistas.

Há, portanto, um conjunto de normas, consistente em um verdadeiro projeto normativo para a sociedade brasileira, que não pode ser contrariado ou desvirtuado por uma eventual reforma trabalhista, a exemplo da regra constitucional que estabelece a jornada de 8 horas diárias e 44 semanais, do princípio que assegura a segurança e saúde no trabalho, do princípio que impõe a valorização do trabalho humano, entre outros. E tal conjunto normativo não pode ser contrariado, ainda que se desenvolva um discurso sedutor - e muito bem patrocinado, frise-se - por especialistas em torno da reforma trabalhista.

A ideia de supremacia constitucional, no caso, pode ser ilustrada a partir de Homero e seu personagem Ulisses, em metáfora desenvolvida por autores como Lenio Streck (Ulisses e o Canto Das Sereias: Sobre Ativismos Judiciais e os Perigos da Instauração de um "Terceiro Turno da Constituinte". Acessado em 31/01/2016:

Na target=_blank>http://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/TextoPrevioSelecao2.pdf).

Na Odisseia, Ulisses, durante sua viagem de regresso, saberia que enfrentaria a provação do "canto das sereias", que desviava os homens de seus objetivos, e os conduzia a caminhos tortuosos. Por isso, Ulisses ordena que seus subordinados o acorrentem ao mastro do navio, e em hipótese alguma obedeçam a futura ordem de lhe soltar. Exatamente porque Ulisses sabia que não resistiria ao canto das sereias, criou um mecanismo de auto restrição.

O mesmo se passa com a proteção social, inclusive trabalhista, que a Constituição estabelece. Com o propósito de que essa proteção social não ficasse à mercê de maiorias circunstanciais, encantadas por discursos sedutores, a Constituição impõe a observância de determinadas regras e princípios. Essas normas constitucionais não podem ser vulneradas pela atuação do legislador, que muitas vezes se fascina com algo que se assemelha ao canto das sereias, identificado aqui no discurso ideológico a pregar que a ausência de legislação trabalhista seria benéfica à economia.

Deste modo, nem o legislador nem a negociação coletiva são soberanos quando se trata de regulação do contrato de trabalho, pois há regras e princípios constitucionais que devem necessariamente ser observados, funcionando como mecanismo de restrição à vontade de futuras maiorias.

Tudo isso para evitar as consequências que adviriam da sucumbência ao canto das sereias, nomeadamente o desvio dos objetivos constitucionais.

Isso posto, impõe-se um pouco de sobriedade em momentos de instabilidade política e crise econômica, de modo a defender o projeto normativo estabelecido pela Constituição Federal, assegurando os direitos nela previstos mesmo contra eventuais maiorias, em especial quando fascinadas por discursos encantadores que correspondem, na história acima, ao canto das sereias.

Bruno Choairy Cunha de Lima é procurador do Trabalho em Mato Grosso



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