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Opinião
Domingo - 19 de Fevereiro de 2017 às 09:29
Por: Paulo Vítor Reginato

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O país vive um verdadeiro cenário de guerra contra a corrupção, uma verdadeira caça-as-bruxas, necessária para que o país possa voltar aos trilhos do desenvolvimento, não tendo o erário prejuízos decorrentes de tamanha corrupção.

Porém deve-se analisar o lado jurídico de todo este processo que vêm acontecendo, vez que, para que se alcance a justiça devemos estar diante da verdade, sem que reste nenhuma dúvida, respeitando as leis e os princípios do direito pátrio.

O ordenamento jurídico brasileiro prevê em seu núcleo diversos princípios que almejam o encontro da já citada verdade dos fatos, dentre eles podemos destacar o princípio da presunção de inocência, do devido processo legal, e do duplo grau de jurisdição.

O princípio mais violado em todo este cenário é, com toda certeza, o princípio da presunção de inocência, previsto no Art. 5º, inciso LVII da Constituição da República, que diz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Acertadamente colocou Cesare Beccaria, no ano de 1764, em sua obra “Dos delitos e das penas”, que: “Um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois que ele se convenceu de ter violado as condições com as quais estivera de acordo.”

Tem a acusação o dever de demonstrar a culpa do acusado, não podendo deixar qualquer dúvida disso, pois, por menor que seja a dúvida, deve ser mantida a presunção de inocência do acusado, forçando (o que nem deveria ser forçado) o juízo a fazer uso do “in dubio pro reo”, ou seja,

se houver qualquer dúvida quanto à culpabilidade, deve ser mantida a liberdade.

Trocando em miúdos, não se deve encarcerar enquanto existir qualquer dúvida sobre a realidade dos fatos trazidos à baila em uma ação penal.

O devido processo legal, por sua vez, vem elencado na CF no art. 5º, inciso LIV, deixando claro que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Ficou clara a forte ligação do princípio da presunção de inocência com o princípio do devido processo legal, pois é direito de todos os cidadãos terem acesso a um sistema judiciário puro, onde possam as lides se perfazerem da melhor forma possível, sem influência externa, até que cheguem à sentença e ao transito em julgado, onde será sabido se existe a culpa ou não.

Noutro espeque, o duplo grau de jurisdição é o princípio que consagra ao litigante vencido em uma instância a chance de ter sua lide apreciada em instância superior, por um colegiado de julgadores, fazendo com que não subsistam os possíveis erros contidos em uma sentença monocrática. Existem no Brasil: o Juízo Singular Estadual (1ª instância); o Juízo Estadual (TJ – 2ª instância); o Superior Tribunal de Justiça (3ª instância); o Supremo Tribunal Federal.

Vale ressaltar que recentemente a Suprema Corte decidiu no bojo das Ações Diretas de Constitucionalidade 43 e 44 que pode existir a execução provisória da pena após decisão proferida em segunda instância, este tema não será tratado aqui, haja vista merecer uma atenção especial, mas para mero efeito de registro e conhecimento se faz necessária a sua menção, tendo em vista não ter o Poder Judiciário poder para legislar, como erroneamente o vem fazendo.

Por meio de uma interpretação conjunta dos princípios expostos tem-se claramente que a inocência de um cidadão é algo

extremamente protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro, tendo o cidadão direito ao gozo de sua inocência até o transito em julgado de sua sentença.

Acontece que o que se vê hoje em dia no país não é isso, pois o acusado perde a inocência no momento da acusação – algumas acusações se tornaram verdadeiros “realities shows” –, sendo então julgado de pronto pela sociedade e pela mídia como culpado pelos fatos a ele imputados, e não mais um sujeito da relação processual de antes, o acusado, portanto para a população, para a mídia, e a cada vez mais para o poder judiciário:

Não existem mais acusados, existem condenados.

Não existem mais defesas, existem “protelações”.

Não existem mais julgadores, existe a mídia.

Neste cenário o advogado se vê de mãos atadas diante do acovardamento que impregnou os tribunais pelo Brasil, o que se tem dia-após-dia, são afrontas aos princípios máximos da Constituição Federal.

Ademais, para complicar ainda mais a situação temos, o queridinho da vez, o instituto da colaboração premiada, regido pela Lei 12.850/13, que também poderia ser chamado de “extorsão premiada”, levando em conta que em muitos casos, ou se ladeia a acusação do Ministério Público, fazendo uso de tal instituto, ou terá o acusado sua prisão preventiva decretada ou mantida, restando apenas observar esta tomar contornos de prisão definitiva, extrapolando todos os prazos legais, mantendo um individuo,

até então somente acusado, encarcerado, quebrando, desta forma, a presunção de inocência.

Engraçado notar que, por muitas vezes, a prisão preventiva é decretada com o argumento de que o acusado oferece risco para a investigação/instrução criminal, porém, se no mesmo dia este mesmo acusado optar por celebrar um acordo de colaboração premiada, é posto em liberdade e deixa de oferecer tal risco para a investigação/instrução criminal.

Mister se faz enfatizar que não se quer aqui deixar um posicionamento a favor ou contra a colaboração premiada, o que se quer é

apenas deixar aberta a discussão para melhorias e aperfeiçoamentos de tal instituto, que, se usado de forma correta e comedida auxiliará na obtenção da

verdade.

Vivemos, portanto, a maior insegurança jurídica já vivida nos nossos Tribunais, pois no momento em que o seu cliente é denunciado, já é considerado culpado, e para que tal não aconteça, deve o mesmo ladear a acusação feita pelo parquet – dizendo somente o que interessa ao MP, nem que para isso diga meias verdades –, pois assim poderá

se defender em liberdade, na condição apenas de acusado, fazendo, somente depois de “colaborar”, valer o seu direito à ampla defesa e ao contraditório.

Ressalta-se que não se quer aqui que a impunidade seja instaurada em nosso país, mas sim que as leis e os direitos dos cidadãos sejam respeitados, sendo aplicada a pena justa e no momento correto.

É hora de o judiciário e a mídia reverem os conceitos de acusação e condenação, para que possamos voltar a ter coerência nos processos correntes no país, e, principalmente, em suas decisões, para que o judiciário possa voltar a ter a credibilidade de outrora, e, por fim, mas não menos importante, para que o cidadão possa ter o devido tratamento no decorrer do processo ao qual responde.

Paulo Vítor Reginato é advogado



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