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Opinião
Sexta - 07 de Julho de 2017 às 08:59
Por: GISELE NASCIMENTO

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O Brasil é um Estado Democrático de Direito, o que significa, em resumo, que é regido por regras e princípios que retiram sua base de legitimação da Constituição Federal, documento maior a que as leis e as autoridades devem respeito.

Estas normas asseguram a todas as pessoas os direitos individuas e coletivos que estão especificados no ordenamento jurídico e os que, ainda que não expressos, se podem extrair por consequência.

É dever de todos, inclusive (e especialmente) das autoridades constituídas, a observância desses direitos e garantias, sob pena de punição aos que não as cumprirem.

Costuma ser típico deste formato de Estado ter a dignidade da pessoa humana como uma de suas bases mais sólidas, e é exatamente isso que estabelece o artigo 1º, inciso III, de nossa Constituição.

Ou seja, o documento que institui o Estado brasileiro, que é a Constituição, expressamente destaca, já no seu início, a dignidade da pessoa como um de seus fundamentos!

Logo, a dignidade da pessoa é um superprincípio de origem constitucional, e como tal, tem a característica de servir de parâmetro e limite para todas as leis e ações do Estado no trato com seus cidadãos.

A elaboração das leis, a execução de qualquer atividade administrativa, o julgamento de todas as ações judiciais, tudo enfim, tem de observar a dignidade da pessoa humana, porque ela é o principal filtro de legitimidade das ações estatais.

Desse princípio, basicamente, nasce todo o feixe de proteção do Estado à pessoa humana, o que engloba suas características e prerrogativas individuais, inclusive o modo como convive em sociedade, sendo vedado qualquer tipo de preconceito quanto à sua origem, sexo, raça, idade, cor, dentre outras formas de discriminação.

Portanto, a dignidade da pessoa humana pressupõe a igualdade de tratamento entre os seres humanos, o que assegura, por consequência, o respeito pela identidade sexual de cada um, a qual está relacionada à maneira com que a pessoa se sente em sua interação social, independentemente da forma física, da estrutura fisiológica, com que tenha nascido.

É nesse contexto que se encontra o alicerce maior do direito de identidade dos transexuais. Como disse certa vez o notável Boaventura de Sousa Santos:
“... temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”

Neste sentido, se todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, conforme estabelece o art. 5º da Constituição, e há o dever de resguardar e respeitar a dignidade de cada pessoa, não parece haver dúvida de que toda pessoa tem o direito de ser diferente, quando sua igualdade o descaracteriza, isto é, se isso lhe constitui o entendimento próprio de sua essência como ser humano, porque o ordenamento jurídico não dá a outrem o direito de definir como alguém deve ser e se portar.

Como disse Caetano Veloso: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, o que significa, em síntese, que cada um tem o direito de brilhar, de exercer em plenitude suas potencialidades, de ser feliz da forma como sua consciência determina.

O transexual é uma pessoa que possui a identidade sexual diferente do seu gênero, ou seja, ela pode ter nascido com o gênero masculino, por exemplo, mas sua identidade sexual é oposta ao seu sexo biológico e é assim que ela se sente. Então, mesmo que tendo nascido com os órgãos genitais masculinos, ela se sente intimamente (sentimentos, emoções) e mentalmente (agir, pensar) como uma mulher.

Como a sociedade brasileira, em muitos aspectos, ainda vive de forma patriarcal, machista e preconceituosa, boa parte das pessoas encontra dificuldade em aceitar e reconhecer o direito à identidade sexual das pessoas transexuais, fazendo com que elas se descaracterizem, obrigando-as a serem iguais aos que elas próprias consideram diferentes, não lhes permitindo viver em plenitude o gênero a que sentem pertencer, o que é, sem dúvida, uma crueldade, uma violência moral.

Essa não aceitação do outro, para não usar o termo rejeição, acaba repercutindo, até mesmo, no âmbito da atividade do legislador, o qual, provavelmente por conta da bancada conservadora a que pertence, omite-se no dever de zelar pela dignidade das pessoas transexuais, o que reflete na ausência de norma legal que assegure direitos a esta parcela significativa da sociedade, como o de trocar o nome e o gênero em seus registros civis (cartório), por exemplo, adequando-os à sua identidade sexual, fazendo perpetuar essa verdadeira agressão psicológica, porque a pessoa acaba sendo obrigada a ter condutas sociais incompatíveis com seu entendimento íntimo, ferindo sua essência.

Mais recentemente, contudo, tornou-se possível essa mudança de nome e de gênero nos documentos, desde que o transexual se submeta a uma cirurgia de transgenitalização, ou seja, faça a cirurgia de mudança de sexo, porém, nem todo transexual deseja realizar tal tipo de procedimento altamente invasivo e autoritário, apesar de querer mudar o nome e gênero.

Entretanto, surgiu em maio deste ano no cenário jurídico brasileiro um significativo avanço com o julgamento de Recurso Especial pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), em que sua 4ª Turma decidiu que os transexuais têm direito à alteração do gênero e nome no registro civil, mesmo sem a realização da cirurgia, porque o que se deve levar em consideração, em síntese, são os aspectos físicos e psicológicos, principalmente.

O futuro é promissor, portanto.

É o Judiciário, mais uma vez, fazendo o que o legislador ainda não se dignou a fazer.

GISELE NASCIMENTO é advogada, especialista em Direito Civil e Processo Civil e pós-graduanda em Direito do Consumidor e membro da Comissão de Direito da Mulher OAB-MT.



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