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Opinião
Quinta - 15 de Fevereiro de 2018 às 10:06
Por: Ana Malvestio e Mayra Theis

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Em 29 de novembro de 2017, foi aprovado pela Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ) o projeto de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 37/2007, prevendo alteração no artigo 155 da Constituição Federal, mais precisamente em seu parágrafo 2º, com o objetivo de reinstituir a cobrança do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) nas exportações de produtos primários (não-industrializados) ou semielaborados, tais como soja, algodão, café, milho, carnes, entre outros produtos. O próximo passo será a apreciação da PEC pelo Plenário do Senado.

O desarquivamento dessa proposta, originalmente de 2007, foi motivado pelas perdas que essa desoneração tem causado aos Estados e que não vêm sendo ressarcidas pela União, contribuindo para o déficit das contas públicas. Em sua defesa, alega-se ainda que a tributação dos produtos primários incentivará o crescimento da indústria nacional, vez que desafia as empresas a agregar valor aos produtos primários. Na prática, esses argumentos refletem uma visão restrita do tema. Outros aspectos precisam ser considerados para que o Brasil não corra o risco de ter um resultado negativo com a reinstituição do tributo.

No ano de 1996, quando foi promulgada a Lei Kandir que isentou os produtos primários, o saldo da balança comercial do agronegócio foi de US$ 12,2 bilhões, segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic). Desde então, o saldo comercial das exportações avançou significativamente. Em 2017 totalizou US$ 81,9 bilhões – o segundo maior valor da história e um aumento de 571,3% em relação a 1996. O agronegócio tem enorme relevância na economia, sendo responsável por 44% do total das exportações em 2017 e por cerca de 21% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Tal crescimento é fruto, entre outros aspectos, da isenção do ICMS, que permitiu a entrada do produto nacional no exterior em níveis aceitáveis de competitividade.

O expressivo aumento das receitas geradas pelas exportações foi suportado, em grande parte, pelo incremento da produção agrícola que, apenas no setor de grãos, foi superior a 220% entre a safra 1995/96 e 2016/17, saindo de 73,6 para 238 milhões de toneladas, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Essa produtividade, por sua vez, não teria acontecido sem os investimentos em tecnologias para máquinas e equipamentos, pesquisa e desenvolvimento de novas variedades de plantas, aprimoramento de técnicas de manejo e cultivo, sem contar o alto índice de geração de empregos. Nos nove primeiros meses de 2017, um em cada cinco trabalhadores no país ocuparam-se em atividades relacionadas ao agronegócio, de acordo com os dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).

Essa pujança, que agrega cadeia de fornecimento, emprego, renda e consumo, incrementa substancialmente a arrecadação tributária. É sensato pensarmos que, se o custo de eventual incidência do ICMS será arcado pelo produtor, em decorrência da limitação dos preços internacionais, haverá redução de investimentos e de produtividade, por consequência, queda na arrecadação indireta.

Retroagir 30 anos e reinstituir uma sistemática de tributação introduzida pela Constituição Federal de 1988, cuja previsão de desoneração nas exportações abrangia exclusivamente os produtos industrializados, significa tomar a contramão das reformas que a legislação do ICMS realmente precisa para fomentar o mercado interno, suportado, em grande parte, pelas receitas advindas das exportações geradas pelo agronegócio. É prioritário que se reveja as distorções existentes no sistema não cumulativo, segundo o qual o imposto cobrado em uma etapa do processo de produção e comercialização é recuperado por meio da apropriação do seu valor como crédito, para ser deduzido do imposto devido nas etapas posteriores.

Nosso atual modelo é restritivo quanto a recuperação do tributo que incidiu na cadeia de valor. Os créditos ficam limitados basicamente aos insumos, cujas definições existentes nas diversas legislações estaduais não abrangem a totalidade dos custos com produtos, bens e serviços sujeitos à tributação do ICMS e necessários à execução das atividades. Por consequência, o imposto não recuperado passa a integrar o valor dos produtos, aumentando o seu ônus.

As políticas de desoneração ou redução de carga tributária adotadas nas operações com defensivos, fertilizantes, máquinas e implementos agrícolas, produtos in natura, entre outros, em que pese reduzirem o ônus fiscal, geram acúmulos de créditos de ICMS para seus fabricantes e produtores, em decorrência da “recuperação” do imposto que incidiu na compra de seus insumos. Esses valores de imposto que deveriam reduzir a carga tributária das operações subsequentes, realizadas pelas indústrias de alimentos, destilarias, etc, ficam parados e, na prática, para serem utilizados quando permitido, precisam superar enorme burocracia que demanda tempo e recursos.

As reformas do nosso sistema tributário devem focar nas suas ineficiências que minam a competitividade de nossos produtos, burocratizam as empresas e sobrecarregam o judiciário. O momento da economia brasileira ainda é delicado e a estratégia de recompor as contas públicas dos Estados às custas das exportações de produtos primários, se aprovada, certamente atrasará ainda mais a retomada do crescimento, além de representar um dos piores retrocessos na legislação do ICMS desde a edição da Lei Kandir.



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