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Opinião
Domingo - 20 de Janeiro de 2019 às 10:51
Por: Auremácio Carvalho

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O decreto assinado pelo presidente Bolsonaro flexibilizando a posse (ter a arma em casa, na empresa ou na propriedade rural, guardada em local seguro ao acesso de crianças, por ex.), mas não o porte (andar livremente com a arma), exceto para membros de Forças Armadas, polícias, guardas, agentes penitenciários e empresas de segurança privada, estes no expediente de trabalho, entre outros, é assunto complexo face a realidade brasileira.

Senão, vejamos: cerca de 06 armas são vendidas por hora no Brasil, em lojas especializadas, segundo dados do Exército. Além dessas vendas, o número de novas licenças para pessoas físicas, concedidas pela Polícia Federal, tem crescido nos últimos anos. Passou de 3.029, em 2004, para 33.031, em 2017. O número de novos registros para colecionadores, caçadores e atiradores desportivos, dados pelo Exército, também subiu. Em 2012, foram 27.549 e, em 2017, 57.886. No total, hoje, são mais de meio milhão de armas nas mãos de civis: 619.604; a maioria, não registrada, portanto, mas legais. A posse de armas atualmente no Brasil é regulamentada pela lei federal 10.826, de 2003, conhecida como o Estatuto do Desarmamento.

De acordo com ela, são necessárias algumas condições para que um cidadão tenha uma arma em casa, como ser maior de 25 anos, ter ocupação lícita e residência certa, não ter sido condenado ou responder a inquérito ou processo criminal, comprovar a capacidade técnica e psicológica para o uso do equipamento e declarar a efetiva necessidade da arma. Para efeitos de comparação, como se dá em outros países? Austrália: tem leis muito restritivas, e a posse é liberada apenas em casos excepcionais (geralmente para caçadores, colecionadores ou fazendeiros em áreas isoladas). Para ter a licença é preciso passar por cursos de cuidados no manuseio, teste escrito e teste prático. Além da avaliação dos antecedentes criminais, há casos em que a polícia entrevista familiares e vizinhos.

Alemanha: Para conseguir uma licença, é preciso comprovar que a pessoa corre risco, demonstrar que é colecionadora ou fazer parte de clube de tiro. O candidato passa por avaliação que leva em conta antecedentes criminais, saúde mental e uso de drogas. Caso seja concedida, a permissão é revisada a cada três anos e, ainda, para manter a arma em casa, é preciso permitir inspeções não anunciadas da polícia, que verifica se o armamento está guardado em local seguro. No Brasil, pelo decreto, a renovação se dará a cada 10 anos e de forma automática, sem maiores aferições. África do Sul: É muito difícil obter uma arma legalmente. O processo é lento e inclui aulas de tiro, entrevistas com familiares, checagem de histórico criminal e de uso de drogas e inspeção no local onde a arma será guardada, tudo isso antes. Estados Unidos: é o país com maior taxa de armas por habitante do mundo. Para ter uma arma, basta passar por uma checagem instantânea de antecedentes criminais, mas isso não é necessário se a compra for realizada com um vendedor privado, em vez de em uma loja - cerca de um terço dos compradores não passou pela checagem, segundo estudo de Harvard, para que a compra seja autorizada. Daí, as tragédias que temos assistido em escolas, igrejas, e outros locais públicos, com chacinas deliberadas.

Finalmente, no México: Há apenas uma loja de armas em todo o país na capital, Cidade do México. Para obter a permissão do governo, é preciso atestado que comprove que a pessoa não tem antecedentes criminais; ter emprego fixo e renda. Apontam-se alguns aspectos favoráveis: do decreto: - A arma registrada ficará na residência da pessoa que a registrou; - Atualmente, apenas "as pessoas de bem" estão desarmadas; - Criminosos terão medo ao invadir uma casa para cometer um assalto; - o decreto levou em conta critério objetivo que identifica locais com alta violência (não é bem assim, pois o índice de 10 assassinatos por 100 mil habitantes, abrangerá praticamente todo o pais, ou seja, é na verdade um “não critério”.); - No referendo de 2005, a maioria da população se manifestou a favor do direito de comprar uma arma (65%). Promessa de campanha. Pontos contrários: - A circulação de armas vai aumentar – e mais armas significam mais mortes; - levantamentos mostram que a maior parte das armas de fogo utilizadas em ocorrências criminosas foram originalmente vendidas de forma legítima a cidadãos autorizados, que depois tiveram a arma desviada ou subtraída; - É um chamariz para a população, mas não trará melhorias para a segurança pública; - O poder público se omite e entrega o cidadão à própria sorte; - mais armas em casa trazem riscos de acidentes com criança, suicídio, briga de casais e discussões banais. Os critérios da Polícia Federal, que eram considerados “subjetivos’ - poder discricionário do delegado da PF, que dizia quando era ou não necessário a compra pela pessoa, ao conceder ou não o porte ou posse de arma, pelo Decreto nos parece que a subjetividade passa para o cidadão: “o artigo 12 parágrafo 1º do decreto diz que, se presume a efetiva necessidade pelo pedido e pelos documentos de quem solicitar, cabendo, mesmo assim, à PF, verificar isso.”

A palavra do cidadão passa a ter um peso enorme e perigoso ao pedir a posse e, futuramente, o porte. A sua “necessidade” (seja o que isso signifique) prevalecerá. A Associação dos Oficiais da Reserva da PM no Brasil fez uma declaração perigosa: “A questão não é a arma, a questão é cultura. O povo tem o direito de ter uma arma até para se rebelar contra a tirania ainda mais contra um criminoso que entra na sua casa.” Contra a tirania, a nossa arma é o voto, acredito. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública lamentou a edição do decreto, argumentando que se trata de uma aposta na violência, uma vez que existem evidências robustas dentro do debate sobre segurança pública que, quanto mais armais, mais crimes, ou seja, 94,9% das armas apreendidas em 2017 não foram cadastradas no sistema da Polícia Federal (Sinarm) e 13.782 - (11,5%) armas legais foram perdidas, extraviadas ou roubadas. Acredito que precisamos trabalhar esse assunto de forma menos passional ou política: 1 - Onde está a segurança pública que todos merecemos? 2 - Mais educação, saúde, lazer, renda, não ajudaria na resolução do problema da violência urbana? 3 - uma maior integração das forças policiais, na inteligência e ação conjunta também não seria bem-vinda? 4 - A autossensação de poder, por conta própria, se defender, é real? O bandido não tem nada a perder no confronto com o cidadão, mas este, sim: a própria vida. 5 - A pessoa vai escrever uma carta de próprio punho dizendo que ela precisa ter uma arma de fogo. Continua subjetiva a motivação. 6 - Políticas públicas de Estado e não de governo, é uma das soluções ao problema da violência.

* AUREMÁCIO CARVALHO é advogado

auremacio.carvalho@hotmail.com

"A palavra do cidadão passa a ter um peso enorme e perigoso ao pedir a posse e, futuramente, o porte"



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