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Opinião
Segunda - 02 de Setembro de 2019 às 16:02
Por: Andhressa Sawaris Barboza

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Não tem muito tempo, talvez só algumas semanas, que um tal ministro desabafou no twitter sobre como homens se sentem intimidados diante da postura das mulheres e seria por isso que muitos recorrem à violência. Era uma data comemorativa à Lei Maria da Penha que representa um marco em políticas públicas de combate à violência contra a mulher. Vamos olhar para alguns dados buscando fundamentar o que quero dizer: homens morrem mais do que mulheres, cerca de 75% dos suicídios são de homens; 91,4% dos homicídios são de homens. "E o governo não faz nada..." Faz sim, piora as coisas com pronunciamentos como o do tal ministro.

Sim, homens se matam e homens são assassinados. Mas enquanto 91,4% dos homicídios são de homens, cabe trazer outra variável: homens são assassinados na rua e mulheres em casa. Quem mata homens na rua? Outros homens. Quem mata mulheres em casa? Homens. Homens estão matando e se matando. "Ai mas, nem todo homem é assim, não é mesmo?"

O título deste artigo é inspirado em um poema de Carlos Drummond de Andrade, mas o que fez Drummond escrever pra um tal Carlos (pra si mesmo) um pedido de vida? Não se mate, diz o poema que discorre sobre o que seria uma desilusão amorosa e como "vida que segue" deve ser o lema. O "não se mate, Carlos" ecoa há décadas. Por que homens estão matando a si mesmo, aos seus pares, aos seus desiguais e às mulheres?

A explicação ainda é desconhecida por 75% dos homens brasileiros e é definida pelo termo: masculinidade tóxica. Em 2018, a "palavra do ano" foi masculinidade tóxica. É claro que "nem todo homem", afinal ser homem não é tóxico. Estamos falando de certos modos de ser homem e aí, amigão, todo mundo tem reflexos disso. Não tô falando aqui do clássico "homem não chora", mas também dele. A impossibilidade ou retração em manifestar sentimentos como medo, fraqueza, vulnerabilidade seria porque tudo isso é do universo tido como "feminino" e é preciso ocultar a ameaça de manchar a reputação. Até porque feminino é inferior e ninguém quer ser mulherzinha, né? Não podemos deixar de falar que as questões de raça, de sexualidade e econômicas são muito fortes também e entram na definição de masculinidade tóxica, uma vez que falamos de um perfil de homem tóxico. O patriarcado mata sem dó: mata mulheres e homens negros e pobres, mata as gays, mata as lésbicas, se mata quando não dá conta disso tudo.

Estamos falando aqui de traços como fechamento e competitividade que levam a uma agressividade com tendência à violência e ao uso desmedido da força. Assim, os homens são os que mais se suicidam, mais matam, mais morrem e mais se expõem a situações perigosas. Acontece que tá difícil continuar matando mulheres e sair impune, seja por leis mais rígidas, mas principalmente porque mulheres não estão mais se sujeitando a isso. Aí o tal ministro tem razão que os homens estão se sentindo intimidados. E o que fazer quando não posso matar o feminino corporificado no outro? Mato o feminino em mim. "Carlos, não se mate".

A escritora, Virginia Woolf, escreveu lá por 1930 que "as mulheres, durante séculos, serviram de espelho aos homens por possuírem o poder mágico e delicioso de refletirem uma imagem do homem duas vezes maior que o natural". Acontece que o espelho não quer mais refletir sua valentia, sua virilidade, sua masculinidade. O espelho resolveu olhar pra si. É hora de mudar, Carlos, "você é o grito que ninguém ouviu no teatro e as luzes todas se apagam", como bem disse Drummond. É hora de parar de ter medo de "ser mulherzinha" e virar gente. Acredite, é muito mais agradável que a morte. Mais coragem, homem, cadê aquele Davi contra Golias? Cadê aquele Hércules contra a Hydra de Lerna? Os monstros e gigantes são só as sombras da sua aversão ao feminino. Não se mate, Carlos. Mude.

Setembro Amarelo que é uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio, iniciada em 2015. É uma iniciativa do Centro de Valorização da Vida, Conselho Federal de Medicina e Associação Brasileira de Psiquiatria.


Andhressa Sawaris Barboza é jornalista e cientista social com mestrado em Cultura Contemporânea. E-mail: andhressabarboza@gmail.com



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