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Opinião
Terça - 22 de Outubro de 2019 às 07:45
Por: Gonçalo Barros de Antunes Neto

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A democracia é potência ou é ato? Se considerarmos possível tal dualidade, a fenomenologia de Heidegger deve ser repensada.

Para o citado filósofo alemão, o fenômeno ou o relativo-absoluto continuará a ser relativo porque o ‘aparecer’ pressupõe, em essência, alguém a quem aparecer, e o Ser de um existente ‘é’ exatamente o que o existente aparenta. Não há algo a ser observado pelo ombro do que aparenta, como se a essência lhe fosse distinta, apesar da vontade kantiana que assim fosse.

Sartre ironiza a dualidade – ‘o dualismo do Ser e do aparecer não pode encontrar situação legal na filosofia’-, adverte em O Ser e o Nada.

O fenômeno democrático ‘é’ enquanto resultado da interpretação daquele que o observa. Nada mais.

Pensemos numa hipótese: um morador de um determinado morro carioca que se viu ocupado por uma ação policial do Estado. Como a democracia o atinge? Como o fenômeno, o aparecer dessa ocupação, é lido pelo seu raciocínio, consciente ou inconsciente? A democracia enquanto essência o atinge de igual modo como a de um morador da zona sul, por exemplo?

Essas inquietações dialéticas tem ocupado espaço na consciência crítica de estudiosos da filosofia e da sociologia política. Afinal, o que é democracia?

Partindo dessa sistemática aqui adotada, depende. E depende de quê? Certamente não da dupla relatividade de Kant, porque no referencial aqui adotado a essência e o fenômeno do aparecer se equivalem. O que difere é tão somente a leitura do fenômeno pelo observador, a forma que o atinge enquanto sujeito que apreende, com autonomia na construção de seu pensamento, consciente ou não.

Se a cidadania se resumir à segurança pública, esse será seu referencial democrático e o Estado se legitimará pela força, pois, para o observador é esse fenômeno que o atinge.

Tomemos outra hipótese: um parlamento hermético, fechado, que não dialoga de forma direta com a sociedade. Qual o resultado prático disso? O cidadão não se vê responsável pelo destino político pátrio. Tem a tendência de abstrair-se da ideia de que ele, cidadão, ajudou a construir o que aí está: bem ou mal.

Este fenômeno é bem visível nos brados: não tenho nada com isso; eles, os políticos, são os culpados. Político passa a ser fenômeno, enquanto ente paralelo. E a política, retórica e abstração de quem se alivia na indiferença.

E a democracia? Devemos reconstruí-la a todo o momento, seu conceito é dinâmico, como dinâmica é sua essência. Na expressão de Pablo Neruda, ‘a pedra cresce onde a gota tomba’.

Na relativização das coisas, o que se destaca é o movimento de uma insana maneira de silenciar-se.

É por aí...

GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é juiz de Direito, poeta, formado em Filosofia (UFMT) e escreve aos domingos em A Gazeta.



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