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Opinião
Sexta - 01 de Maio de 2020 às 06:03
Por: Gonçalo Antunes de Barros Neto

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Uma aula em vídeo muito interessante é a do professor Clóvis de Barros Filho, sob o título – “Ética, conceitos de justiça”.

Em sua reflexão, trabalha o citado filósofo com a concepção de justiça, citando, com mais profundidade e propriedade, as passagens que a seguir compartilho, recheadas, claro, com a nossa particular ironia.

Ainda que pressinta o quão perigoso seja a ironia, pois, com ela se sustenta algo para afirmar o seu contrário, e nem todo leitor entende o significado, podendo, nas palavras de Sérgio Rodrigues da Veja, tomar o texto pelo valor de face, deixando de captar seu sarcasmo, arrisco.


Na tragédia grega de Sófocles – Antígona -, escrita por volta de 442 a.C., trabalha-se com a perspectiva de dois tipos de justiça: a da lei, portanto, a do Estado, e a de Antígona, sobrinha de Creonte, rei de Tebas, a da justiça divina.


Diante da altercação entre Etéocles e Polinice, irmãos de Antígona, em que ambos vieram a falecer na disputa pelo trono de Tebas, Creonte mandou que o corpo do primeiro fosse enterrado com todo o cerimonial previsto aos mortos e deuses.

Polinice, ao contrário, não receberia sepultura e seu corpo deveria ficar exposto aos cães e aves de rapina, servindo como lição a todos que intentassem tomar o poder. Antígona, crendo injusta a determinação do soberano, mandou dar sepultura ao irmão Polinice, em atenção à lei divina, e por isso foi morta por ter sido insubmissa às leis humanas.

As pessoas aparentemente justas o são por medo do Estado e/ou de represália social, ou, em quadra oposta, por acreditar na boa alma humana e sua formatação num universo de virtudes?

Na obra “A República”, de Platão, em seu livro II, Glauco escreve sobre a justiça. Vale ressaltar que Glauco era considerado irmão de Platão. Conta Glauco a lenda do Anel de Gyges, que se tornou um marco do pensamento filosófico.

Nela, Gyges, um pastor, ao levar as ovelhas para o campo, olhando uma fenda aberta no chão, deparou-se com um cadáver que não tinha mais nada, a não ser um anel. Pegou-o.

Ao se reunir com os demais pastores em uma espécie de assembleia anual para prestar contas ao rei, deu por acaso uma volta ao engaste do anel para dentro, em direção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estavam ao lado. Tomado pela percepção do poder imenso que tinha na mão, atacou o soberano e tomou-lhe o trono, em tudo ajudado pela rainha por ele seduzida.

Qual a lógica disso? Glauco se torna o portavoz do fato de que somos, todos, profundamente injustos, e que somente não agimos em atenção aos mais terríveis impulsos por medo e coerção dos outros.

Nesse exemplo temos justiça na perpectiva do binômio: coerção e medo. Isso revolucionou o pensamento filosófico que até então se apoiava em Platão na sua tese de que justiça é a somatória de todas as virtudes. Não é preciso nem ressaltar de que a partir do século XV, Glauco nos aproxima muito mais da concepção de justiça do que Platão.

Mas qual a reflexão a ser feita disso tudo? As pessoas aparentemente justas o são por medo do Estado e/ou de represária social, ou, em quadra oposta, por acreditar na boa alma humana e sua formatação num universo de virtudes? Estamos com o uso da autoridade por Creonte e da metáfora do Anel de Gyges, ou, em lado mais sublime, diria até mais confortante à hipocrisia do politicamente correto, do exemplo de Antígona e da concepção de justiça de Platão?

Ao que parece, Glauco entende justiça como mera convenção social, com perspectiva coercitiva, despertando medo. Vejamos como o medo pode assombrar uma assembleia de honoráveis homens, pelo menos deveriam ter honorabilidade.

Duas forças se digladiam – uma, puxada pela vaidade de seu dono, tem vontade de dominar os outros e ser como poderosa do circo, e avança sobre os pares numa espécie de rolo compressor. Outra, articulada, mas não menos emblemática que a primeira, esbanja simpatia, liderança, agrada a patuleia, e, em seu discurso sofista, promete o que nem Maria Antonieta ousaria pensar.

E qual o resultado? Após brincarem com os seus soldadinhos, de egos saciados e conjuntamente brindados num churrascão, formalizam nova paz até a próxima aventura.

E os bons? Ah..., esses, se acaso existirem, querem mais diversão. O medo lhes traz benefícios. Afinal, a festa não tá boa?

É por aí...

Gonçalo Antunes de Barros Neto é graduado em Filosofia pela UFMT.



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