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Opinião
Terça - 12 de Maio de 2020 às 06:15
Por: Roberto Boaventura

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Quem já acumula algumas décadas de vida tem acompanhado a trajetória de Regina Duarte. Antes, pela jovialidade e meiguice, tornou-se a “namoradinha do Brasil”. Talvez, apenas Lucélia Santos, com a escrava Isaura, tenha ameaçado o posto de Regina. Todavia, Lucélia foi secundarizada nas telas, pois se tornou sindicalista da categoria.

De sua parte, a alienada Regina foi só ganhando personagens marcantes, como, p. ex., a viúva Porcina e Malu Mulher. Todavia, falarei de Madalena, personagem do livro São Bernardo (1934) de Graciliano Ramos, adaptado como Caso Especial (1983) pela Globo.

Madalena e Paulo Honório (José Wilker) são os protagonistas do livro citado. Sem se conhecerem, casam-se; porém, ente ambos, só divergências e desentendimentos: Honório incorpora a lógica capitalista de ser-e-estar no mundo; assim, faz atrocidades para obter a posse de uma fazenda e das pessoas, principalmente a posse de Madalena, que simboliza uma visão comunista da existência.

Como as diferenças explicitam-se logo após a “união”, o casal passa a empreender brigas, que só se intensificam.


Pelas posses e influência, Honório tinha sempre em casa os poderosos locais, incluindo um padre, que chega a dizer ao protagonista que não se preocupasse com pessoas (no caso, Madalena) de ideias comunistas, pois “isso” não pegaria em um país que acreditava em Deus.

No epílogo, Madalena, em uma capela, estabelece diálogo de despedida de Honório, que, insensível, não percebe a intenção. Depois, ela sobe ao quarto e se envenena, vindo a óbito.

Antes de subir, por segundos, Regina dá à Madalena um olhar enigmático à lá Capitu, personagem de Dom Casmurro de Machado.

Regina foi tão Honório, para quem a morte do outro não tinha a menor importância

Sobre Capitu, sempre residirá a dúvida da traição ao companheiro. Sobre Madalena, jamais. Embora houvesse desconfiança por parte de Honório, Madalena, ao contrário de Capitu, não tinha os "olhos de cigana oblíqua e dissimulada".

Por isso, o olhar de “ressaca” à Madalena comprometeu a essência da personagem e derrubou o trabalho de Regina, que “matou” Madalena antes da hora exata.

Pois bem. Essas lembranças voltaram após a entrevista de Regina à CNN, dia 7. Seu ódio aos que querem a sociedade mais humanizada – pretensão de Madalena –escancarou-se.

Nunca Regina se distanciou tanto de uma personagem sua. Embora em seu direito, anticomunista como é, nunca, de forma repugnante, Regina foi tão Honório, para quem a morte do outro não tinha a menor importância, principalmente se isso lhe ajudasse a manter o status.

Regina é insensível e debochada à dor alheia. Sobre as mortes pela COVID-19, incluindo a de Aldir Blanc, desdenhosa a um talento tão raro, disse não ser obituário; que mortes ocorrem a toda hora.

Mas o ápice de sua miserável existência foi quando começou a cantar “Pra frente, Brasil”, hino do tricampeonato da Seleção, usado em 70 pela ditadura militar. Com saudosismo, Regina perguntou: “não era tão bom quando cantávamos isso?”.

Para idiotas que se pensavam patriotas, sim. Aos que viviam/compreendiam a tragédia de uma ditadura, não.

A desprezível criatura foi contraposta no mesmo instante; por isso, Regina, a megera, se descompensou. Os entrevistadores se indignaram com aquele papel tão verdadeiro e chocante da atriz, que passa a ser também mais uma inominável, assim como o seu “mito”.

Náusea – e sem a flor de Drummond – à entrevista de Regina.

Mas aquela “dor assim pungente não há de ser inutilmente”, pois “amanhã vai ser o outro dia”, e tudo isso “vai passar”.

“Desesperar, jamais”.

Roberto Boaventura da Silva Sá é professor de Literatura/UFMT.



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