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Opinião
Domingo - 21 de Junho de 2020 às 10:32
Por: Luiz Henrique Lima

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Há muito se sabe que a literatura infantil não é uma arte menor. Em diversos países, há livros destinados ao público infantil que são preciosas obras-primas, que não apenas educam, encantam e fazem sonhar as crianças, mas também, muitas vezes, encerram valiosas lições para os adultos.

Na literatura infantil brasileira, Ruth Rocha ocupa um lugar de destaque, pela premiadíssima qualidade de seus mais de duzentos livros e pelo sucesso de dezenas de milhões de exemplares vendidos em vinte e cinco idiomas.

Uma de suas obras mais conhecidas e populares tem como título “O Reizinho Mandão”.

Na estória, a morte de um rei sábio e justo leva ao trono seu herdeiro mimado e mandão. Além de criar leis absurdas, seu autoritarismo faz o povo literalmente perder a voz. De tanto mandar todo mundo calar a boca, as pessoas, por medo, se calavam e calaram tanto que esqueceram como falar. Só quem falava com ele era um papagaio que repetia suas bobagens.

Brasileiros têm assistido, uns indignados, outros fascinados, a um conjunto de declarações públicas bem ao estilo do reizinho mandão

Ultimamente, os brasileiros têm assistido, uns indignados, outros fascinados, a um conjunto de declarações públicas bem ao estilo do reizinho mandão: “Aqui quem manda sou eu! Ponto final! Se não fizer o que eu mando, eu demito! Cala a boca! Etc. etc.”

Tais falas podem ser analisadas sob múltiplos ângulos, do político ao psiquiátrico. Tentarei fazê-lo na perspectiva jurídico constitucional.

Importante assinalar que o verbo mandar não existe na Constituição brasileira. De fato, nos 250 artigos do seu corpo permanente e nos 114 das disposições constitucionais transitórias não há nenhum registro da expressão mandar ou de qualquer de suas variantes. Etimologicamente próximos, consta o termo mandante (de crime hediondo – art. 5, XLIII), mandado (de segurança – art. 5, LXIX) e mandato (eletivo – art. 14), bem como comandante (da Marinha, Exército ou Aeronáutica – art. 52). Assim, a nossa Carta Magna não é terreno fértil para o mandonismo de reizinhos e cortesãos.

Mentes primitivas possuem uma concepção estritamente hierárquica das instituições. Sargento manda no cabo que manda no soldado.

Não é assim que funciona no Estado Democrático de Direito. Governador não manda em prefeito e prefeito não manda em vereador. Juiz não manda em promotor e promotor não manda em delegado. O Executivo não se sobrepõe aos demais poderes, nem pode constranger a sua atuação. Só quem manda em todos é a Constituição.

E a Constituição impede até mesmo as mais altas autoridades de praticarem arbitrariedades. O chefe da polícia não pode abrir ou arquivar uma investigação para satisfazer interesses particulares ou familiares.

O chefe da Receita não pode aplicar penalidades ou conceder benefícios aos contribuintes de acordo com as suas preferências ideológicas. E o chefe desses chefes não pode obrigá-los a agir contra a lei.

No livro de Ruth Rocha, as coisas não terminaram bem para o reizinho mandão.

Na vida real, no Estado Democrático de Direito não há espaço para prepotências. Cidadãos não são súditos. Ninguém está acima da lei. Autoridades, a começar pelas mais elevadas, têm o dever de prestar contas.

Os mais altos dirigentes não possuem mais direitos do que os mais humildes. Ao contrário, têm maiores responsabilidades para conduzir programas e ações que assegurem efetividade aos direitos de todos. Os melhores estadistas não são os que gritam mais alto, mas os que sabem escutar com respeito os que deles divergem. O governante sábio não é o que pretende saber de tudo melhor do que todos, mas o que procura estudar sempre e aprender todos os dias.

À época do seu lançamento em 1978, muitos interpretaram “O reizinho mandão” como uma obra crítica à ditadura militar que oprimia os brasileiros. Sua releitura nos dias de hoje pode ser útil para desnudar o ridículo do autoritarismo e realçar o valor da liberdade.

Luiz Henrique Lima é conselheiro substituto do TCE-MT.



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