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Opinião
Domingo - 28 de Junho de 2020 às 08:20
Por: Renato de Paiva Pereira

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Conta o texto bíblico, em Números cap. 22, versos 23 a 30, que havia há mais de três mil anos uma besta (ou mula) que falava. “Grande novidade!” dirão alguns, “têm muitas ainda, quem não conhece a Dilma Rousseff e a Luciana Gimenes?”.

Mas essa mula era muito comedida, ao contrário das de hoje. Parece que falou uma única vez e numa situação meio complicada; se falou outras vezes não deixou registro.

Para quem como ela que nunca frequentara uma escola, a tal mula apresentou um linguajar satisfatório: concordância perfeita, boa dicção, uso correto de pronomes.

A mula falante não pertence ao grupo dos animais que aparecem nas fábulas tais como O Cordeiro e o Lobo, O Corvo e a Raposa ou o Coelho e a Onça, que supostamente conversavam como os humanos. Afirmam muitos conhecedores da Bíblia Sagrada que ela existiu realmente e pertenceu ao profeta Balaão.

A mula falante não pertence ao grupo dos animais que aparecem nas fábulas

Parece que seu dono não conhecia essa sua virtude nunca vista nos muares, embora convivesse com ela por muitos anos e a utilizasse nas viagens proféticas.

Um dia lá ia o profeta montado no ainda não famoso animal, preocupado com o que falaria ao rei Balaque a quem ia encontrar, quando a mula dá um bufo apavorado e mudando rapidamente de direção quase joga no chão o cavaleiro, que aqui deveríamos chamar de muleiro, porque montava uma mula e não um cavalo.

A besta assustada enveredou por uma plantação de trigo que tinha na beira da estrada, obrigando seu dono a usar todos os dotes de ginete e a força física para interromper aquela carreira desembestada, sem trocadilho, é claro.

Estancada a correria o animal empaca. O profeta, homem misericordioso, sereno e comedido desceu o porrete na cabeça da mula, irritado com a sua repentina teimosia. Ele ficou admirado do comportamento do animal, que sempre fora manso e obediente e de repente está ali deitado no chão, recusando a ir em frente. E dê-lhe mais pauladas no lombo e na garupa.

Foi aí que a mula abriu a boca e soltou o verbo: “Calma aí, sua besta!” Não, não, ela não falou desse jeito, isso é exagero do narrador. Seria demasiada ofensa chamar de besta o profeta, mas que ela pensou assim, com certeza pensou (também dedução do cronista).

“Por que estás me espancando desse jeito, meu senhor?” disse ela “Não vês o Anjo que está à nossa frente com a espada desembainhada, pronto para degolá-lo, se dermos um passo a mais?”.

Conta o Livro Sagrado que nessa hora Balaão o profeta viu o Anjo e entendeu o precioso serviço que este nobre animal lhe prestara.

Boa mula esta. Livre de ressentimentos salvou da morte o seu dono que há pouco a espancava sem nenhuma piedade. Embora não se tenha notícia, Balaão, agora arrependido, deve tê-la recompensado ricamente. Provavelmente nunca mais trabalhou, vivendo seus dias restantes com farta alimentação e doce ociosidade. Filosofando também, o que é próprio dos burros e das mulas, conforme convictamente afirmou o nosso escritor maior Machado de Assis.

Renato de Paiva Pereira é empresário e escritor.



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