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Opinião
Domingo - 12 de Julho de 2020 às 10:10
Por: Gabriela Novis Neves

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Historicamente a função do juiz remonta à antiguidade clássica, desde que existe sociedade existe a discussão dos limites do juiz. Sócrates defendia a existência de algo que fosse justo por natureza enquanto os sofistas defendiam a inexistência de algo justo por natureza. Nessa dualidade, na Grécia nem sempre o direito escrito representava o direito natural e para os sofistas as leis escritas não necessariamente seriam justas, pois representariam o poder político da ocasião que poderia não coincidir com o direito inato, como o direito à vida (o mais eloquente exemplo), que não precisaria estar escrito, já que configuraria pressuposto inerente a condição humana.

Com o direito romano, a aplicação prática dessa história ganhou concretude e os pretores romanos que julgavam os casos tinham o poder de controle de justiça do direito escrito ao invocar o direito natural, aplicando o justo para fazer justiça do caso concreto. Cada caso era julgado de uma forma e muitas vezes para uma mesma relação de fato eram dadas soluções contraditórias.

Desenvolveu-se, assim, a corrente do jusnaturalimo, admitindo o tolerável até hoje, que o juiz possa se afastar do direito positivo, sendo ressuscitada no momento atual de crise que vivemos a clássica frase secular: “quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o direto”. Ou seja, o juiz deve aplicar a lei na medida que o leve a tomar justas decisões e a lei não pode desconsiderar a realidade. Tal assunto é muito contemporâneo e, em meio à pandemia, vem a indagação: juízo legalista ou consequencialista?

Com o positivismo de Kelsen, baluarte da ideia positivista, com sua teoria pura, ficou reconhecido que o direito tem conexões muito estreitas com a economia, a política, a moral, a religião, mas, para que o direito ganhe estado científico e autonomia, deve-se cortar metodologicamente a conexão com essas áreas.

Para a teoria pura de Kelsen, o direito deveria esquecer a moral para não se contaminar e esse positivismo chegou ao ponto de um requestionamento com o nazismo.

Romper ou reagir ao colapso jurídico que foi imposto pela experiência nazista fez com que muitos países aprovassem novas constituições, até que chegou a nossa em 1988, implantando no Brasil o estado democrático de direito.

Agora, no momento mais crítico da história democrática brasileira, na primeira pandemia mundial deste século, é hora de revisitar essa discussão? Mais vale o império do ordenamento jurídico ou a justiça? Até que ponto a justiça caminhará para a almejada pacificação social?

Essa conversa constitucional do passado retomada em uma aula virtual do brilhante professor André Molina me inspirou a escrever esse artigo, da antiguidade aos dias atuais, pautas tão remotas quanto contemporâneas nos fazem filosofar que só o tempo mostrará se se vive uma crise da justiça ou se a crise é apenas um dos objetos da justiça. E, se esta for a opção correta, trata-se apenas de evolução, conformação e reafirmação das estruturas do Estado de Direito. Que assim seja.

Gabriela Novis Neves Pereira Lima, Procuradora do Estado de Mato Grosso



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