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Opinião
Domingo - 12 de Julho de 2020 às 10:11
Por: Julier Sebastião da Silva

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Ser usuário do transporte público em Cuiabá é algo que não se traduz em breves palavras. Para sentir de verdade, é necessário ser assíduo do sistema público de mobilidade. Não vou ser hipócrita e tentar escrever sobre a experiência (sofrimento) pela qual passa o cuiabano no transporte coletivo. Esse texto não trata disso.

Mesmo não fazendo uso dos coletivos públicos diariamente, acompanho atentamente a gestão do modal na cidade ao longo dos últimos 20 anos.

Algumas verdades inquestionáveis: o transporte público em Cuiabá continua com a mesma (falta de) qualidade de quando eu era estudante e usuário cotidiano dos ônibus; há dependência total do transporte rodoviário; a quantidade de ônibus é insuficiente; a maioria dos ônibus é de péssima qualidade; os rotas são definidas sem considerar as necessidades da população; e os trabalhadores das concessionárias (atividade essencial) são mal remunerados e estão adoecendo em decorrência do estresse laboral e de covid-19.

Quase nada mudou nos últimos 30 anos. Basta olhar para um ônibus no horário de pico e constatar que a realidade é a mesma. Quem fizer isso às 18 horas na Prainha, num dia normal (sem pandemia), verá ônibus lotados, como sempre.

A constatação da persistência dos mesmos gargalos acaba por revelar uma ironia infeliz com os cuiabanos, que veem parte da solução de seus sofrimentos largada ao relento. Isso mesmo!

Parcela considerável da agonia dos usuários do sistema público de transporte viário seria medicada pela implantação do VLT, investimento da ordem de mais de 1 bilhão de reais, que está esquecido pelo Estado. Trata-se o modal com um certo viés de anedota até. Ainda assim, o VLT continuará sendo um espectro sobre as administrações da capital e do Estado de Mato Grosso. Portanto, é preciso assumir e solucionar o problema!

Prefeito e Governador, independente de quando foram eleitos, têm a obrigação de gerir os problemas existentes na data de sua posse.

Não é mais possível continuarem a dar de ombros e agir como se não tivessem nada com isso. O VLT é uma solução para parte do problema da mobilidade urbana e deve ser prioridade para a prefeitura da capital. Ao município, cabe articulação e pressão sobre o Estado na defesa de sua população, para que o sonhado trem cuiabano torne-se item importante do transporte público.

A realidade não irá mudar, por outro lado, se a essência do transporte público não mudar, pois o fundamento atual é o de as empresas concessionárias engordarem seus lucros ao custo de investimento zero ou quase isso.

O brasileiro gasta, em média, 32 dias do ano no trânsito. Um trabalhador, que tenha que usar o transporte público nos 35 anos de sua vida ativa, deixará 3 anos desta no trânsito. Esses números não deixam dúvidas de que o transporte público é um direito básico dos cidadãos e já é tempo de ser tratado como tal.

Uma das situações mais nefastas da estrutura atual de funcionamento do sistema de transporte público de Cuiabá se efetiva nos finais de semana, no período de descanso dos trabalhadores. É nos finais de semana que o trabalhador pode viver sua cidade, usufruir de seus parques e áreas de lazer (poucas na verdade).

É esse o tempo que deveria ser assegurado para que o trabalhador realizasse atividades de lazer com sua família, mas não é. A circulação de ônibus cai drasticamente e o usuário é forçado à segregação dissimulada através da lógica capitalista e ficar restrito ao bairro onde mora. A diminuição da oferta do serviço restringe o direito de ir e vir dos mais carentes, faz com que não se integrem com a cidade. Nos dias úteis, o trabalhador fica restrito ao ambiente onde trabalha e, nos finais de semana, período que tem para se integrar, segregado aos locais de moradia.

A lógica "segregacionista" só irá mudar quando o transporte público assumir sua natureza não individual. As concessões não podem considerar somente a lógica capitalista. É preciso dar-se prioridade às necessidades dos usuários. Qual a real justificativa para diminuir o número de ônibus no final de semana? Será que é economicamente inviável mesmo ou há um interesse subjacente em restringir a locomoção do mais carente?

Cuiabá precisa entrar no século 21 e dar urgente salto na qualidade do serviço de transporte público. Eis um dos doze trabalhos de Hércules reservado ao novo alcaide. E o preço das passagens? Ora, tudo começa por aí.

Cuidem-se, que o covid-19 não está dando refresco.

Julier Sebastião da Silva é advogado e ex-juiz federal.



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