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Opinião
Domingo - 18 de Setembro de 2011 às 22:57
Por: Lourembergue Alves

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A todo instante, temas são discorridos. Nenhum deles, entretanto, é mais difícil do que a morte. Assunto por demais espinhoso. Apesar da certeza da sua existência. Existência que assusta. Pois carrega o sentido de perda, de vazio e de ausência. É isso, aliás, que se sente quando da partida definitiva de alguém. Sentimento que ultrapassa o limite da família, rompe a roda de amigos e alcança, inclusive, quem dividiram com ele alguns poucos momentos de diálogo. Poucos, porém, agradáveis. Afinal, Julio Delamônica Freire era afável e bom ouvinte. Transmitia uma serenidade, que lhe parecia brotar da alma e, então, espalhava por todo o ambiente de trabalho, o qual se via mais tranquilo e tranquilizador. 
 
Retrato que esta coluna jamais poderia deixar de registrar. Ainda que seja pós-morte. Mas falar do professor Júlio é falar de vida. Uma vida claramente espelhada em suas pranchetas, de onde surgiram os traços do arquiteto regionalista e do profissional inquieto com aquilo que se tem como modernoso. Por isso, e não sem razão, passou a reivindicar “a recuperação dos espaços que constituem o patrimônio cuiabano”. 
 
A arquitetura, portanto, lhe ia além do “ganha-pão”, do “sustento” para criar os filhos – tarefa com quem dividia com a sua esposa, parceira de toda uma caminhada. Isso fica bastante claro em sua obra “Por uma poética popular da arquitetura”. Nesta não só destaca o desenho da casa-padrão do conjunto habitacional do CPA-I, mas igualmente a bandeira de “resistência cultural”. Bandeira que ganhou vulto a partir de seus vinte e dois artigos publicados em um periódico local, sob o título “Cuiabá, nosso bem coletivo”. Nesses artigos, Júlio Delamônica analisa a Capital nos seus mais diferentes aspectos, os problemas provocados pelo crescimento quase desorganizado, o que denunciou a falta de infra-estrutura necessária para aquele processo que já se tinha como irreversível. Daí as suas sugestões de soluções. Muitas das quais, infelizmente, se perderam nas gavetas da burocracia governamental. 
 
Percebe-se, então, que o urbanista e arquiteto foi além dos desenhos para comunicar-se. Buscou, com ousadia e competência, também a escrita para se fazer entendido. Inaugurava assim, no Estado, uma nova frente. Frente, aliás, continuada por outros profissionais da sua área, entre os quais seus ex-alunos e colegas da lida. Explica-se, talvez, volta e meia, o encontrar-se com escritos veiculados pelas páginas dos jornais. 
 
Quadro revelador. Revela um profissional dedicado, habilidoso e preocupado com o futuro, sem perder de vista a paixão por seu torrão natal. Assim, não olhava só pelo retrovisor. Mas parava para observar cuidadosamente a estampa que se encontra em formação, e esta parecia estar em confrontação com o passado – rico em paisagens e memórias, devidamente acomodadas no tempo e no espaço, e por onde, evidentemente, ou contraditoriamente, crescia a geração mais nova, que se associava a levas migratórias.  
 
Daí o falar em vida, mesmo diante da morte. Até porque a pessoa, que tinha por nome Júlio Delamônica Freire, era uma figura humana sensacional, dono de um comportamento pautado na ética e no respeito a quem dividia com ele os mesmos caminhos. Jamais se alterava. Mesmo diante da adversidade ou dos ataques pessoais. Pois a polidez e o equilíbrio lhe eram natos. Faziam parte da sua própria característica, e isso, por outro lado, o tornava uma pessoa especial, cuja ausência é e será sentida por todos que o conheceram ou tiveram a sorte de tê-lo na mesma roda de bate-papo e de trabalho. E isso marca. Marca tanto que nem mesmo a morte será capaz de apagar suas pegadas, e as recordações que dele se têm.         

Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.


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