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Opinião
Segunda - 12 de Setembro de 2011 às 08:56
Por: Eduardo Gomes

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Nosso encontro foi obra do acaso. Parei num córrego para lavar o para-brisas, quando ele surgiu montado numa mula preta e acenou com timidez. Respondi puxando prosa. Zé do Wantuil apeou e conversamos por alguns minutos. Com um pedaço de graveto riscando o chão da Cuiabá-Santarém contou sua história. Era ainda moço, lá pelos 35 anos, com mulher e três filhos pequenos quando deixou o Jequitinhonha, no norte de Minas, pelo Eldorado que o governo pintava nos grotões do Pará. Jogou tudo que tinha na carroceria de um caminhão fretado, deu adeus à sua terra, ligou a Rural Willys e fez uma viagem sem volta. Nove dias depois pisava com felicidade naquele chão preto que era sua janela para vencer na vida mesmo sendo um caboclo que nunca esquentou banco de escola primária.

Na fazenda Belo Horizonte, de 560 alqueires geométricos, aplicou sua poupança arrancada nos braços no cerrado mineiro na com a certeza que em breve o asfalto cruzaria ali, bem pertinho de sua cerca de itaúba. Passou um ano, dois, 10, 20, 30 anos e nada.

Para complicar, o governo abandonou a rodovia, as pontes apodreceram, e ele ali, no batente de segunda a segunda, dando exemplo de competência da porteira pra dentro, mas sem meios de vender o que produz porque no inverno a estrada “corta”, e no verão o frete engole o preço do arroz, do milho e até da bezerradinha.

Enquanto falava, fazia estranhos riscos no chão, e em seguida os desmanchava. A certa altura sua cadela Birosca deitou sobre o lugar onde ele passava o graveto. Não se importou, fez cafuné na barriga da vira-lata e num jargão mineiro se definiu como alguém que está no casco. O texto acima é parte do artigo que escrevi em 10 de agosto de 2002 (acessem o ícone Artigos em Edições Anteriores nesta data e o leiam na íntegra).

No domingo, 4 deste mês, interrompi por algum tempo minha viagem para Santarém. Parei na fazenda Belo Horizonte. Conversei com outro Zé do Wantuil, esse feliz e que rasgava elogios ao asfalto da rodovia que avança pelo Pará e lambe sua cerca. “Em breve vai tinir”, observou.

Na despedida, enquanto conversávamos ao lado da estrada passou a comitiva do governador Silval Barbosa apinhada de chineses rumo ao porto de Santarém. Ninguém do grupo notou que ao lado da pista dois velhinhos grisalhos se desmancham em sorrisos.



Autor

Eduardo Gomes
eduardogomes.ega@gmail.com http://www.mtaquionline.com.br/

É Jornalista em Cuiabá

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