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Opinião
Terça - 23 de Agosto de 2011 às 08:25
Por: Renata Luciana Moraes

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Semana passada, mais precisamente no dia 16 de agosto de 2011, foi ao ar pela rede de televisão Band, o programa intitulado “A LIGA”, que tem como apresentador, o repórter do popular CQC – Custe o que Custar, Rafinha Bastos, no qual o tema foi a proximidade de todos nós a diversos tipos de Trabalho Escravo, em sua nem sempre percebida, modalidade moderna, e urbana.

Nos chamou a atenção, obviamente que não desprezando as outras denúncias noticiadas no programa semanal, a modalidade urbana de trabalho escravo das costureiras, que trabalham em regime escravo, ou ao menos, reduzidas à condição análoga à de escravos, geralmente nas grandes cidades brasileiras.

São pessoas que são contratadas por empresas interpostas, que se dizem empresas de Terceirização de Serviços, que pagam as estas costureiras quantias ínfimas por peça produzida, o que se chama de empregado tarefeiro. O local de trabalho fica em ambiente absolutamente insalubre, sem as mínimas condições de permanência, cubículos sem ar, quentes, e sem ventilação e muitas vezes sem condições de higiene, onde as trabalhadoras se amontoam, e executam carga horária exaustiva que superam, em muito, às 44 horas semanais permitidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.

Diante desse quadro lamentável perguntamos: para quem essas trabalhadoras realmente prestam serviços? E a resposta é a mais surpreendente possível, pois de acordo com a reportagem acima noticiada, as costureiras trabalhavam para marca mundialmente famosa, e de grande cobiça e aceitação pelas mulheres, chamada ZARA.

A ZARA, inicialmente manifestou-se no sentido de que havia contratado licitamente uma empresa de terceirização, empresa esta que, por sua vez, contratava as costureiras que produzem a maioria das peças comercializadas nas diversas lojas da grife, espalhadas pelo mundo, e também aqui no Brasil, nas principais capitais.

Inicialmente, cumpre-nos esclarecer que a empresa que se vale de contratação de serviços terceirizados deve cumprir certos requisitos estabelecidos no ordenamento jurídico, para que esta terceirização seja considerada válida e lícita.

Na terceirização, surge a figura do tomador de serviços, que contrata empresa ou pessoa física, para intermediar a prestação laboral, estando os trabalhadores a ela vinculados. A relação de emprego se estabelece com a empresa ou pessoa física, cuja atividade consiste em disponibilizar mão-de-obra para outrem - o cliente, havendo uma dissociação dos elementos que caracterizam a relação de emprego, nos moldes tradicionalmente previstos pela legislação trabalhista, uma vez que o beneficiário final dos serviços não é o empregador dos trabalhadores envolvidos no processo produtivo.

A legislação trabalhista, através da edição, pelo Tribunal Superior do Trabalho de uma súmula, disciplinou o tema. E, da leitura do inciso IV do Enunciado n. 331 do TST, fica claro que a terceirização ali autorizada é de serviços e não de empregados. A intermediação de empregados só é autorizada no contrato temporário de trabalho, previsto no inciso I do Enunciado n. 331 do TST, em que o trabalhador temporário se integra no ambiente de trabalho da empresa tomadora, prestando serviços subordinados àquela empresa.

Verifica-se, assim, que a terceirização de serviços é realidade que vem crescendo à margem da legislação, que pouco regulamentou a matéria, tendo a doutrina e a jurisprudência o encargo de tratar a questão, de forma que o trabalhador terceirizado tenha garantidos os direitos trabalhistas, inclusive com efetividade da tutela judicial, pois é muito comum empresas serem criadas, para prestação de serviços a outra, com o objetivo de lucro fácil, sem qualquer responsabilidade social e que, da mesma forma como aparecem, desaparecem, sem deixar rastros. Referidas empresas inidôneas assumem atividades que lhe são acometidas por outras, que devem ser responsabilizadas pelos créditos trabalhistas dos empregados que a beneficiaram com seu labor, uma vez que “qui habet commoda, ferre debet onera”.

A multinacional ZARA assim agiu, ou seja, terceirizou sua atividade-fim, a uma suposta empresa, absolutamente inidônea, e sem credenciais, sem qualquer tipo de aferição de suas condições de contratação, e fechou os olhos para as condições dos trabalhadores que estavam sendo submetidos à condição análoga à de escravos, inclusive, tendo que pagar o preço cobrado nas lojas, para as abastadas clientes, quando uma peça por eles confeccionada, apresentava algum defeito, ou não passava no controle de qualidade, peças estas, as quais recebiam de R$6,00 a R$7,00, e nas lojas eram comercializadas por, no mínimo, R$100,00, tendo sido dado um exemplo de uma costureira que teve descontados, por uma peça com defeito, R$150,00, sendo que havia recebido pelo trabalho, R$7,00. Um absurdo.

É certo que a terceirização pode ser lícita ou ilícita, sendo que mesmo aquelas que apresentam aparência de licitude, em verdade, podem estar ocultando verdadeira relação de emprego com o tomador de serviços, que simplesmente se vale de intermediário inidôneo, com o objetivo único de fraudar a legislação trabalhista, lesando os trabalhadores, o que deve merecer especial atenção do Judiciário, quando da solução dos litígios que lhe são submetidos.

E esta atenção deve ser dada, não só por parte do Poder Judiciário, mas também por todos nós, cidadãos, que, por trás de um lindo vestido, ou uma calça bem cortada, podemos estar fomentando o trabalho escravo, em sua modalidade moderna, no nosso país.

É um tema para se pensar...

Renata Luciana Moraes – OAB/MT 13096-B - renata@mmo.adv.br

Advogada, formada em Direito, no ano de 1993, pela Faculdade Eurípedes Soares da Rocha, Marília/SP, Especialista em Direito Empresarial pela UNIMAR – Universidade de Marília, e em Gestão Pública, pela UNIC – Universidade de Cuiabá, Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais, pela UMSA – Universidad del Museo Social Argentino.




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