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Opinião
Sexta - 26 de Novembro de 2010 às 08:05
Por: Eduardo Mahon

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A independência nacional passou a ser, em Mato Grosso, uma data atípica. É lembrado, sem medalhas e desfiles, o juiz Leopoldino Marques do Amaral, ilustradamente culto, mais conhecido pelas atribulações do fim da vida do que pelo brilhantismo intelectual.

Tive oportunidade de olhar sua biblioteca e constatei milhares de obras raras em vários idiomas, todas lidas e anotadas. Imortal da Academia Mato-Grossense de Letras, no velório foi saudado com pompa e circunstância com discursos inflamados de muitas autoridades e, no outro dia, solene e silenciosamente sepultado - ele e sua memória. Quem o matou, quis matá-lo duas vezes - física e simbolicamente.

Seria ele um desses fantasmas do Harry Potter. Um vilão tão perigoso que não se pode dizer o nome para não evocar lembranças de um passado enterrado. Um daqueles magos negros que nunca morrem em definitivo. Sinceramente, acredito ser muito confortável esse pacto de surdo-mudo. Isso porque a sociedade nunca teve a coragem de discutir abertamente as denúncias que o magistrado encaminhou à comissão parlamentar de inquérito que então apurava irregularidades no Judiciário.

Lembramos que, infelizmente, ainda não havia o Conselho Nacional de Justiça. As denúncias seriam "nuvens de fumaça" a esconder o que o próprio denunciante fazia? Talvez sim, talvez não. Não importa. O que importava era saber se verídico ou não tudo aquilo o que ele falava e o que falavam dele. Todos os assuntos tratados não eram particulares e sim públicos. Mas, lamentavelmente, o público é mais particular do que deveria.

Leopoldino, de vítima, virou bandido. Um desequilibrado, dirão muitos. Alguém que desviou verbas, surrupiou patrimônio particular depositado em contas judiciais. Será? Pode até ser. Cá com minhas dúvidas, fico meditando que se um marginal tem credibilidade para a delação premiada, por que não um juiz de direito? A verdade depende do caráter do denunciante? Parece que Leopoldino não tinha razão, pelo menos em vida.

Alguns concursos do tribunal estadual foram questionados. Ao que me conste, nenhum resultado concreto. É outra enorme coincidência que famílias inteiras tenham genética "vocação" judiciária. Denúncias envolvendo outros magistrados, desembargadores, parentes - nada foi comprovado. O tempo passou e o assunto é requentado, embolorado, talhado, inconveniente numa palavra. Mesmo desacreditado, o espírito de Leopoldino de vez em quando respira.

Anos após o assassinato, eu mesmo ingressei com uma ação popular contra uma comissão havida entre o governo e a cúpula judiciária pelos julgamentos de execuções fiscais. Na inércia do Ministério Público e da OAB que chamou o fato de "monstruosidade", mas nada fez, pensei que, como cidadão, tinha o direito de pleitear a nulidade do pacto e a recomposição do erário. Ledo engano. Pelo menos, em Mato Grosso. Numa canetada, a ação foi extinta por "falta de interesse" deste signatário. Ora, sabemos que qualquer cidadão-eleitor tem, de fato e de direito, interesse em pugnar judicialmente pela recomposição de eventuais danos ao patrimônio público. Parece que não aqui. Bola pra frente e recurso adiante. Veremos o futuro.

Os anos passaram. Recentemente, uma operação policial federal conduzida pelo Superior Tribunal de Justiça curiosamente confirmou alguns murmúrios do cadáver insepulto do juiz. Leopoldino teria razão, agora na morte? Uma inusitada ressurreição ocorreu na internet: antigos boatos e denúncias daquele magistrado que, independentemente de ser mocinho ou bandido, foi vítima. Uma vítima não se sabe direito de que; não se sabe direito de quem; não se sabe direito por quê. Uma vítima que é vivamente odiada, temida, contraditoriamente reverenciada. Haverá real coincidência entre a independência brasileira e a morte de Leopoldino? Não sei. Entretanto, se quem deveria saber também não sabe, estamos perdidos.


EDUARDO MAHON
é advogado em Mato Grosso.
eduardomahon@eduardomahon.com.br



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