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Opinião
Sábado - 30 de Outubro de 2010 às 12:59
Por: Eduardo Mahon

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De grão em grão, a galinha enche o papo. Não por acaso, todo regime de exceção (no português claro, ditadura) é também um "estado de direito". Como ironizava Orwell, a legislação é altamente volúvel em tempos de autoritarismo. Mas tudo começa com pequenas concessões. E, de flexibilização em flexibilização, de relativismo em relativismo, a democracia subverte-se em populismos, unilateralismos, integralismos, monodoutrinas, unipartidarismos.

Os sucessivos flertes institucionais brasileiros com regimes de força (os que censuram são os mesmos que matam) anunciam o mau-agouro para as liberdades civis.

Parece estar inoculado o vírus pernicioso do controle que atinge agora o jornalismo e, por tabela, a sociedade que tem direito constitucional à liberdade de imprensa. Liberdade é liberdade, não há outro sinônimo. Não existe liberdade tutelada, fiscalizada, supervisionada. Qualquer adjetivo que se dê à liberdade é uma deformação. É uma "liberdade sob condições" e, portanto, não é liberdade.

Há uma discussão (pouco aprofundada) sobre a "judicialização" da mídia. Ou seja, a estratégia deliberada de certos cardeais de impor uma censura à custa de avalanches processuais a constranger empresas ou jornalistas independentes. Não se trata de lançar mão de um direito de resposta ou indenizar-se por eventuais prejuízos e sim ameaçar a imprensa com a perspectiva de inviabilização da atividade pela quantidade de processos.

Na prática, os obreiros da estratégia acachapante têm amealhado mais derrotas do que vitórias, porquanto a censura (mesmo a judicial) pode ser contornada sempre pela coragem, criatividade e outras notícias negativas geradas dos próprios débitos e escândalos quotidianos que se querem abafadas.

Vitimar o jornalista pode trazer conseqüências trágicas para a imagem de uma autoridade ou de um empresário. Não é preciso ser historiador para saber que acaba mal quem imagina ser possível constranger a mídia sob a batuta dos aspones ou as clavas dos processos.

Discute-se a criação de conselhos que serviriam para disciplinar a atividade, o conteúdo e, por vezes, o gerenciamento da mídia. Será que já não há controle suficiente? O maior cabresto à imprensa é o financiamento com verbas públicas distribuídas arbitrariamente. Não há critério objetivo para financiar jornais e revistas.

Assim sendo, as grandes contas que sustentam a maioria dos veículos de comunicação são condicionadas à simpatia ou antipatia por esta ou aquela empresa que se compromete com esta ou aquela posição. Sobra a mendicância por verbas oficiais e falta independência. Relação de causa e efeito, pura e simplesmente.

Não é o caso de ceder às elucubrações de autocensura. Basta saber que, de dia, jornalistas podem bater-se pela lisura e probidade na vida pública nacional e, à noite, são contratados como "assessores de imprensa" de quem criticaram nas redações durante o período matutino. A carência de uma base salarial relativamente razoável e a conseqüente vassalagem aos bicos eventuais já bastam a demonstrar o problema que a classe da comunicação social precisa discutir de forma mais séria e prioritariamente a conselhos estaduais ou federais de fiscalização.

E por falar em fiscalização, o ponto de partida para a atividade legislativa (e também fiscalizadora do parlamento) não deveria ser o aparelhamento de comitês e sim o mapeamento dos critérios técnicos pelos quais as concessões de rádio e televisão são graciosamente ofertadas.

Coincidentemente, políticos dos mais diversos matizes ou aparentados formam verdadeiros conglomerados de comunicação sem que haja publicidade de como e por quais razões ocorreu essa feliz coincidência. A recente demissão ao vivo de um jornalista goiano em protesto pela autocensura política do próprio jornal é sintomática e reveladora. Ora, o poder legislativo já é fiscal! Abrir mão dela é alienar a própria atribuição constitucional.

Os advogados têm conselhos. Engenheiros, contadores, arquitetos, médicos, dentistas, geólogos também. Os jornalistas deveriam pensar em um. Mas não tutelado pelo poder público; não formado por apadrinhados; não para reprimir, fiscalizar, regular e sim para proteger.

Ninguém deve ser irresponsável a ponto de imputar aos autores dos projetos em curso a pecha de censores. É uma covarde mentira. Todavia, o flerte com a sombra da tutela externa da administração jornalística e seu conteúdo deve ser imediata e veementemente repelido. Vamos parar por aqui.


EDUARDO MAHON
é advogado, professor e membro da Academia Mato-Grossense de Letras.
eduardomahon@eduardomahon.com.br



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