Repórter News - reporternews.com.br
Meio Ambiente
Quarta - 26 de Maio de 2010 às 21:00
Por: Dayanne Mikevis

    Imprimir


Getty Images
Cerca de mil bonecos de gelo são derretidos em Berlim, na Alemanha, em protesto do grupo WWF
Cerca de mil bonecos de gelo são derretidos em Berlim, na Alemanha, em protesto do grupo WWF

 

A discussão sobre o aquecimento global e seus efeitos entrou definitivamente na agenda política, mesmo que um acordo "salvador" não tenha saído da reunião de Copenhague, que ocorreu em dezembro de 2009 na Dinamarca. Na opinião do climatólogo francês Hervé Le Treut, diretor do Instituto Pierre- Simon Laplace e do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), esse é um dos principais ganhos que a discussão do assunto recebeu desde a reunião do Rio em 1992. No entanto, apesar de ter entrado de vez na agenda política, a discussão sobre a mudança climática também enfrenta cada vez mais resistências.

Muito destes fatores ocorrem porque há quem não se convença de que o clima realmente começou a mudar devido a fatores gerados pelo homem. Le Treut explicou em entrevista ao R7 que, apesar de tais sinais não serem tão fáceis de detectar, eles já começam a afetar o dia a dia nos negócios e decisões política com fatores a ser levados em conta, por exemplo, na construção de uma barragem ou outras grandes obras.

R7 - Há ainda muitos céticos em relação à verdadeira dimensão das mudanças climáticas. Por outro lado, temos verdadeiros defensores da catástrofe, que atribuem praticamente todo evento, de invernos mais rigorosos no hemisfério Norte a até terremotos, ao fenômeno. É possível sentir de fato estas mudanças?

Hervé Le Treut - É uma questão suficientemente complexa para levar a debates que são frequentemente mal informados. Quando falamos de mudança climática, levamos em conta termos de escalas de várias décadas, e não de um ano em relação a outro, nem mesmo de uma década em relação a outra, mas sobretudo de um movimento que vai ser o indesejável aumento dos gases do efeito estufa na atmosfera e a particularidade destes gases é que eles se depositam lá. O gás carbônico, por exemplo, tem uma duração de vida atmosférica de cerca de uma centena de anos. E sabemos que ele aumenta devido à atividade humana. Sabemos que este aumento é de longo prazo. Então a questão é que isto continua a se desenvolver. Quando perguntamos se a longo prazo estes gases podem ter um impacto sobre o clima, todos os estudos por modelo físico respondem que sim.

R7 - O senhor pode me dar um exemplo?

Treut -
Agora, se já observamos coisas, é difícil porque há uma mistura entre a variabilidade natural e a variabilidade provocada justamente pelos gases do efeito estufa. Então podemos considerar, de uma maneira que leva em conta as probabilidades, que há muita possibilidade de que uma parte ao menos do que observamos seja consequência dos gases do efeito estufa. Mas são estudos que são complexos, que não podemos debater facilmente no domínio público. Então, efetivamente, nos encontramos confrontados com uma dificuldade de explicar quando nos pedem esclarecimentos muito simples, mas creio que o mais importante é ter claro que as escalas de tempo na mudança climática se dão ao longo de décadas, o que é, de um lado, curto em relação ao estado de urgência, mas que é também importante quando começamos a planificar a construção de barragens, de infraestrutura urbana. Então, somos obrigados a levar em conta quando vamos investir mais adiante.

R7 - Agora, falamos em urgência. Por outro lado, temos uma realidade diferente, com sucessivos fracassos em combater as causas das mudanças climáticas. O Protocolo de Kyoto foi por água abaixo com o fato de os EUA não o terem assinado. Agora Copenhague foi tida como um fracasso total?

Treut -
É difícil de caracterizar tais coisas em termos simples: sucesso ou fracasso. Há duas questões, quando perguntamos a um climatólogo se é o suficiente para conter os gases do efeito estufa, somos obrigados a responder sempre que não. Em seguida, se a pergunta é se foi um progresso significativo em relação a Kyoto, devemos analisar quando ele começar a ser seguido, mas é verdade que há países que se engajaram e começaram a tomar, como os EUA e a China, comprometimentos ainda pequenos, mas já iniciados. Então não acredito que possamos falar de uma derrota completa seguindo tal ponto de vista. É assim um avanço em relação a Kyoto e acredito que é por isso que agora os debates sobre o problema climático foram amplificados, isso entra no domínio político, porque são medidas que são tomadas por eles.

R7 – O senhor poderia relatar avanços claros de Copenhague para Kyoto? É o fato de que a maioria dos países assumiu compromissos, e, claro, entre eles os EUA e alguns emergentes como a China. Mesmo que tenham sido julgados como insuficientes por um certo número de pessoas, mas são mesmo assim compromissos que não existiam no de Kyoto.

R7 – E o encontro no México, em Cancún, pode mudar alguma coisa?

 

Treut – Não posso dizer, tudo isto voltará a ser discutido, mas haverá pontos de vista que ultrapassam a ciência.

R7 – Mas, e do ponto de vista científico , vocês irão mudar a forma como apresentam o que ocorre com o planeta para quem toma as decisões?

Treut –
Eu acredito que não. Nós produzimos muitos documentos, muita informação, que, em geral, não é lida. Então, podemos tentar o nosso melhor para informar melhor e partilhar este conhecimento. A ciência não faz progressos de um dia para outro nem de um ano para o outro. Em efeito, a mensagem essencial dos cientistas não mudou em sua essência desde a Cúpula do Rio em 1992, ela ficou mais precisa, mais profunda, mas não se modificou fortemente. Então, de um ano para outro, não vemos mudanças extraordinárias da ciência.

R7 – Então, podemos dizer que a ciência é uma refém da política?

Treut –
Certamente, mas eu não diria “refém”, mas entramos em uma fase que é necessariamente política. E uma pesquisa científica é o que é, há elementos fortes, há outros mais incertos. Cabe ao político tomar responsabilidades em relação ao que dissemos, mas não vamos mudar a apresentação de maneira radicalmente de um ano para outro.

R7 – Estamos em ano eleitoral, então que conselho o senhor daria ao futuro presidente do Brasil em relação ao combate da mudança climática?

Treut – Não, a ciência tem de dar uma informação que seja útil ao político, mas que não seja prescritiva. O mundo político, o mundo cidadão, deve fazer a sua escolha. Somente ressalto que os documentos sejam lidos de forma atenciosa.

R7 – Então, mudando um pouco a questão, o etanol é então um caminho para reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa?

Treut – Claro, mas há problemas suplementares com certeza. Quando fazemos o etanol, não fazemos culturas alimentícias, quando nós o fazemos, perturbamos o mercado agrícola. Então, não podemos responder em um plano estritamente científico. É verdade que o etanol, produzido pela biomassa, não contribui para o efeito estufa como os combustíveis fósseis. Então, tecnicamente sim, mas não podemos precisar apenas pelo plano da climatologia.

R7 – Você destacou os avanços de EUA e China em relação à mudança climática, há uma mudança de percepção da classe política destes países em relações aos riscos da mudança climática?

Treut – Eu acho que há uma evolução geral, ela é às vezes contraditória porque as pessoas tomam mais consciência, mas também mais oposição. Então, são temas que são mais discutidos e polêmicos do que antes. Há os dois movimentos em relação a anos passados, quando ninguém falava desse assunto. Falamos muito mais, não necessariamente bem, mas há uma conscientização que vem com seu contrário.

R7 – Então você sente um aumento dos céticos na comunidade científica?

Treut – Não, é muito difícil porque há idas e vindas, mas o que sinto há alguns anos é uma retomada de consciência enquanto há uma resistência muito forte contra isso. Os dois caminham juntos. É natural que o problema se torne político, mas, como sou cientista, eu lamento que haja uma incidência do plano político no debate científico. Temos de separar ao máximo o debate científico do debate político.

R7 – O caso dos e-mails pirateados e vazados entre pesquisadores do Painel do Clima mudou procedimentos da instituição?

Treut – Há um comitê intra-acadêmico que deverá rever procedimentos do JEC para tentar fazer que o máximo de confiança envolva o próximo relatório. Eu penso que piratear e-mails não seja uma coisa muito aceitável, por outro lado, é verdade que tem de haver uma transparência máxima em todo procedimento científico e se as pessoas não têm confiança, precisamos melhorá-la.

 

Treut –




Fonte: do R7

Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/130537/visualizar/