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Saúde
Sábado - 14 de Março de 2009 às 09:46

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Em 2001, o agricultor piauiense Antônio Duarte Alves, 51, foi acometido por uma úlcera que perfurou suas córneas e o deixou cego. Recebeu um transplante de córnea em Brasília e voltou a enxergar. Mas, seis meses depois, o mundo voltou a "se apagar". Seu organismo havia rejeitado a córnea. Numa segunda tentativa, teve o mesmo resultado. "Estava muito desgostoso. Não podia trabalhar na roça e precisava de ajuda para sair de casa", conta.

Mudou-se para São Paulo e, há um ano, sentiu-se "como se tivesse nascido de novo". Graças a um tratamento introduzido recentemente no país, Antonio voltou a enxergar após sete anos. Trata-se de uma prótese corneana desenvolvida na Universidade Harvard, nos EUA: a ceratoprótese de Boston.

Indicada para pessoas com histórico de múltiplas rejeições ao transplante ou para casos em que há grande chance de isso acontecer, a prótese é encaixada em uma córnea doada, que é implantada no paciente. Mesmo que ele rejeite a córnea recebida -o que acontece com a maioria delas--, continua enxergando graças ao dispositivo, feito de acrílico. Antibióticos são receitados pelo resto da vida para controlar a inflamação.

"Se o paciente rejeita um transplante convencional, a córnea fica opaca de novo e sua visão não se reabilita. Mas, nesse caso, ele fica com essa janela de acrílico no centro, por onde enxerga", explica o oftalmologista Lauro Augusto de Oliveira, responsável pelo setor de ceratoprótese da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), onde Antônio foi tratado.

Vítimas de queimaduras e pessoas com certas doenças autoimunes são as principais beneficiadas. Segundo Oliveira, esteticamente a diferença é mínima. "Dificilmente alguém vai reconhecer." Infecção, afinamento da córnea e formação de uma membrana (corrigível com laser) são as intercorrências mais comuns.

Em geral, a melhora na visão é considerável --isso só não ocorreu em dois dos 12 pacientes tratados na Unifesp, e, segundo Oliveira, eles já tinham outros comprometimentos no olho que dificultavam o quadro. Até agora, não houve nenhum caso de expulsão da prótese.

Segundo dados estrangeiros, após dois anos da cirurgia, 85% dos pacientes enxergam bem com a prótese. Nas pessoas que fazem o transplante comum pela segunda fez, o índice de sucesso é de 40%.

Diferentemente do que ocorre no transplante comum, no qual o paciente demora de quatro a seis meses para ter uma visão funcional, com a ceratoprótese ele volta a enxergar 24 a 48 horas após a operação. "É de arrepiar. Tive um paciente que não enxergava havia 12 anos. Nunca tinha visto o filho, de 11. Quando tirei o curativo, ele ficou olhando para suas mãos, para a camisa que vestia, para a mulher. É inacreditável no primeiro dia ter uma recuperação dessas", diz Oliveira.

Aprovação

Desenvolvida na década de 60, a ceratoprótese de Boston foi aperfeiçoada e ganhou popularidade nos anos 90. Em 1992, foi aprovada pela FDA (agência que regula alimentos e remédios nos EUA). Já foi implantada em 3.000 pacientes.

No Brasil, ela ainda não tem a aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas o grupo da Unifesp prepara uma solicitação que deve ficar pronta em um mês. A prótese custa US$ 3.000.

Por enquanto, a cirurgia é feita via protocolos de pesquisa. O da Unifesp começou há cerca de um ano. Em 2008, um grupo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre publicou um artigo relatando sua experiência com a prótese em oito pacientes. O oftalmologista Sérgio Kwitko, líder do trabalho, diz que já usou a prótese em 16 pessoas.

Há outros tipos ceratoprótese, mas, segundo os especialistas, a de Boston é bem mais vantajosa. "É a mais usada no mundo e a que dá melhor resultado. As outras têm cirurgias demoradas, riscos maiores ou indicações mais limitadas", diz Kwitko. Ele ressalta que a tecnologia não substitui o transplante porque, nesse último caso, a chance de sucesso é maior, de cerca de 95%. "Em casos rotineiros, a córnea humana ainda funciona melhor."

A taxa de rejeição a transplantes de córnea é de 4,9% no Estado de São Paulo. Oliveira diz que a cada retransplante o prognóstico piora e que há demanda pela alternativa. De junho de 2007 a junho de 2008, por exemplo, havia 201 inscritos na fila de transplantes com diagnóstico de queimadura química no Estado.





Fonte: Folha de S.Paulo

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