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Saúde
Sábado - 10 de Janeiro de 2009 às 12:03
Por: Benedict Carey

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A cada resultado negativo em uma prova ou teste, a cada prazo estourado, a cada projeto fracassado, surge a oportunidade de experimentar novas desculpas, como o carro enguiçado, o gato doente ou uma emergência no trabalho. Esse tipo de conversa é tão familiar que a maioria das pessoas desconsidera rapidamente as desculpas.

Esse é um dos motivos para que os genuínos artistas no campo da desculpa - e existem milhões deles - não esperem até que um problema qualquer aconteça para praticar a sua magia. Eles já começam a dificultar suas próprias vidas com o maior afinco antes mesmo de estabelecer um objetivo ou de submeter seu desempenho a qualquer crítica.

As desculpas que usam são como que parte deles: "Na verdade, estamos falando de pessoas que sabotam a si mesmas, por exemplo, ao beber pesadamente no dia anterior a um teste, faltarem a treinos ou utilizarem equipamentos de qualidade realmente horrível", disse Edward Hirt, professor de psicologia na Universidade de Indiana. "Algumas pessoas costumam agir dessa maneira em muitas ocasiões, e frequentemente se torna difícil perceber se estão conscientes do que estão fazendo e dos custos que essas práticas acarretarão".

Os psicólogos vêm estudando esse tipo de comportamento desde pelo menos 1978, quando Steven Berglas e Edward Jones começaram a utilizar a expressão "auto-sabotagem" para descrever os estudantes participantes de um estudo que optaram por usar uma droga que supostamente inibiria seu desempenho em uma prova (ainda que a informação não procedesse e a droga em questão na verdade fosse inerte).

Essa pulsão vai bem além de um simples rebaixamento generalizado de expectativas e tem mais a ver com a proteção da autoimagem do que com os conflitos psicológicos enraizados no desenvolvimento inicial da personalidade, em sentido freudiano.

Pesquisas recentes ajudaram a esclarecer não só que tipo de pessoa se sente mais inclinada a sabotar suas próprias chances como as consequências dessa atitude.

No conceito original, Berglas e Jones identificaram a tendência a autossabotagem em estudantes que foram informados de que haviam passado com nota máxima em um teste composto por perguntas impossíveis de responder. Os participantes haviam conseguido "sucesso" sem que soubessem como ou por quê.

"Estamos falando de pessoas que foram informadas de que eram brilhantes, sem saber de que maneira essa inferência foi derivada", disse Berglas, que hoje conduz um programa de treinamento de executivos na região de Los Angeles.

Ele compreendia perfeitamente o impulso. Havia começado a usar drogas quando estava no segundo grau, poucas semanas antes da data marcada para o seu exame de avaliação do Segundo Grau, no qual a expectativa de desempenho para ele era de que conquistasse a nota máxima. E sua irresponsabilidade juvenil serviu de primeira semente à teoria.

Essa tendência ou impulso de agir de maneira autodestrutiva parece mais forte entre os homens do que entre as mulheres. Em pesquisas, Hirt e outros avaliaram a tendência por meio de um questionário no qual pediam que os participantes indicassem até que ponto as 25 declarações que o teste oferecia serviam como descrição de seu comportamento - por exemplo, "eu tento não me envolver demais em atividades competitivas porque assim evito sofrer demais caso eu saia derrotado ou apresente mau desempenho".

Os homens tendiam a apresentar concordância mais forte com essas afirmações e a se sabotar mais seriamente em estudos de laboratório. Mas caso surja a oportunidade, e se os motivos forem considerados válidos pelos seus critérios pessoais, a maioria das pessoas gosta de alegar desvantagens.

Em estudo publicado no terceiro trimestre de 2008, Sean McCrea, professor de psicologia na Universidade de Konstanz, Alemanha, descreveu experiências nas quais ele manipulava os resultados dos participantes em diversos testes de inteligência. Em alguns deles, os participantes podiam escolher entre se preparar para realizar os testes ou fazer parte do grupo "sem treinamento".

McCrea constatou que aqueles que obtinham maus resultados atribuíam o problema à falta de prática, se pudessem. Além disso, mencionar essa desvantagem servia para atenuar o abalo que sua autoconfiança sofreria devido ao mau resultado.

Mas alegar desvantagens também tem outro efeito. Em uma experiência diferente, os participantes que tinham uma boa desculpa para seus maus resultados - ruídos incômodos durante o teste, transmitidos pelos fones de ouvido que todos os participantes usavam - se sentiam menos motivados para se preparar para um novo teste do que as pessoas que não tinham desculpa.

"Alegar uma desvantagem permitia que as pessoas com maus resultados declarassem que não haviam se saído tão mal, levando todos os fatores em conta. Elas chegavam a alegar que haviam se saído bem", disse McCrea em entrevista por telefone. "Ou seja, elas não tinham nenhum impulso ou ímpeto de melhora".

O rubor causado pelo embaraço serve, em muitas ocasiões, como a luz que ilumina a motivação. Em sua forma de estratégia de curto prazo, a autossabotagem ou alegação de desvantagens não passa de um exercício de autoilusão.

Estudos envolvendo alunos de universidades descobriram que as pessoas que costumam sabotar a si mesmas - cabulando muitas aulas, perdendo prazos ou deixando de ler o material requerido - tendem a se classificar como parte dos 10% mais inteligentes entre os alunos de suas classes, ainda que suas notas costumem ser mais baixas.

E as pessoas que conquistam sucesso apesar de seu apego pela desordem tendem tipicamente a se apegar às supostas desvantagens, seja o uso de bebidas, de drogas, ou o desrespeito às regras.

"Com o sucesso, as expectativas aumentam e o comportamento dessas pessoas se torna ainda mais extremo", diz Berglas, autor de um livro que ensina as pessoas bem sucedidas a superar os momentos de desgaste.

Mas a tática não ilude muita gente. Em estudo recente, James McElroy, da Universidade Estadual do Iowa, e J. Michael Crant, da Universidade Notre Dame, pediram que 246 adultos avaliassem o comportamento de personagens em diversas histórias comuns em locais de trabalho. As impressões dos participantes quanto aos personagens começavam a decair depois da segunda vez em que estes mencionavam uma desvantagem como desculpa.

"O que aconteceu aqui é que, se a pessoa recorre com freqüência a esse tipo de desculpa, os observadores atribuem o desempenho que a pessoa apresenta a ela mesma, e consideram que as desculpas constantes são parte de sua personalidade, ou seja, a pessoa é chorona", escreveu McElroy em mensagem de e-mail. "Mas é possível evitar essa impressão se outra pessoa fornece desculpas a você - e, surpreendentemente, mesmo que isso aconteça com frequência".

Essa é outra tendência bem conhecida entre os mais experientes criadores de desculpas: a melhor desculpa é a que vem de terceiros. A coisa mais importante para muitos é, não importa o método, evitar considerar a explicação alternativa.

"É como aquela fala do velho filme Sindicato de Ladrões, com Marlon Brando: "eu poderia ter disputado o título", disse Hirt. "Em longo prazo, para algumas pessoas pode ser mais fácil conviver com isso do que saber que fizeram o melhor que podiam e fracassaram".

Tradução: Paulo Migliacci





Fonte: The New York Times

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