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Segunda - 27 de Maio de 2013 às 21:28

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O sistema carcerário brasileiro é “um sistema vingativo, que não reinsere e não educa”. Afirmação é do defensor público do Estado do Rio Grande do Sul Nilton Arnecke Maria, que apresentou um panorama do sistema gaúcho durante a audiência pública sobre regime prisional. Os debates ocorrem durante todo o dia de hoje e no período da manhã desta terça-feira (28), na sala de Sessões da 2º Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). 

As discussões vão subsidiar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 641320, no qual o Ministério Público do Rio Grande do Sul questiona decisão do Tribunal de Justiça do Estado que concedeu prisão domiciliar a um condenado do regime semiaberto. A decisão mais favorável ao apenado ocorreu porque não havia vaga em estabelecimento voltado para o regime semiaberto para que ele cumprisse pena dentro das condições previstas em lei, ou seja, passando o dia fora, estudando ou trabalhando, e depois se recolhendo para o pernoite em local apropriado. Para o defensor gaúcho, a inciativa da audiência pública é corajosa e vai auxiliar no julgamento do recurso extraordinário. 

Segundo Nilton Arnecke, a questão do cumprimento de pena em regime menos gravoso ao qual o apenado foi condenado causa aflição para a Defensoria Pública, pois envolve problemas de superlotação carcerária, más condições de atendimento e acomodação dos presos, questões processuais e falta de infraestrutura carcerária. 

Ele disse que o sistema está caótico e que o Presídio Central de Porto Alegre chegou a ser apelidado de campo de concentração. “O Estado se preocupa com quem entra no regime prisional, mas não se preocupa com quem sai e nós [da Defensoria Pública] temos que nos preocupar com quem sai, pois no nosso sistema não existe prisão perpétua ou pena de morte”, afirmou. 

A situação do sistema carcerário do Rio Grande do Sul é, segundo o defensor, caótica, com 30 mil presos, sendo 21 mil em regime fechado, 6 mil no semiaberto e 1.300 no regime prisional aberto. Segundo ele, há um déficit de 8 mil vagas e somente no presídio central, na capital gaúcha, 350 presos estão autorizados a passar ao regime semiaberto, mas continuam presos junto a outros de alta periculosidade. 

Há 20 anos se discute no Rio Grande do Sul a questão da superpopulação carcerária. Segundo Nilton Arnecke, a solução milagrosa seria imediatamente se construir 50 mil vagas no sistema, o que não é possível. Para o defensor público, há violação de direitos fundamentais, como o da individualização da pena e o da dignidade da pessoa. “Não se pode descumprir a legalidade na fase da execução da pena”, afirmou, lembrando que “a agressão aos direitos fundamentais de uma pessoa, mesmo de um condenado, é uma agressão aos direitos fundamentais de toda a sociedade”.
União 

Na avaliação do representante da Defensoria Pública da União, Haman Córdova, a audiência “se destina a jogar luz a uma situação tão caótica que é o sistema prisional brasileiro”. Ele registrou que em fevereiro de 2011 a Defensoria Pública apresentou a Proposta de Súmula Vinculante (PSV) 57, que pede a possibilidade de cumprimento de pena em regime menos severo diante da falta de vagas no regime semiaberto. 

Segundo o defensor, há hoje um déficit de 25 mil vagas no regime semiaberto, que poderia ser suprido com a permissão para o cumprimento das penas em regime de prisão domiciliar. Ele citou a previsão de investimentos do governo federal da ordem de R$ 1,2 bilhão, que ajudam, mas não resolvem o problema. Disse que os recursos não se destinam à construção de unidades específicas para o regime semiaberto, mas apenas para separar condenados definitivos dos presos provisórios.

Haman Córdova afirmou que o trabalho da Defensoria Pública alcança 90% da população carcerária do país, pessoas que não têm condições financeiras de pagar um advogado. “A ineficiência do Estado não pode permitir a violação do direito à liberdade do cidadão”, observou. Ele ressaltou que tanto o Código Penal, quanto a Lei de Execuções Penais (Lep) são claros quanto ao direito de progressão de regime prisional como item fundamental da ressocialização do preso. 

O representante da Defensoria Pública da União lembrou que a Lei 11.464/2007 permitiu a progressão de regime para os crimes hediondos, mas que o “Estado não está aparelhado” para o cumprimento da lei. Ao encerrar sua palestra, o defensor público Haman Córdova pediu a aprovação da Proposta de Súmula Vinculante da Defensoria Pública sobre regime prisional. 

Ceará

A defensora pública do Estado do Ceará Aline Miranda disse durante a audiência pública que as gerações passadas deixaram um legado muito grave de total descontrole sobre a situação carcerária no Brasil. Ela lembrou que não se pode conviver mais com situações como a ocorrida no dia 11 de março deste ano, quando “oito homens morreram carbonizados em unidade de regime fechado e todos estavam em regime semiaberto”. “É preciso que o Estado crie as condições legais para que os presos possam efetivamente ter direito à progressão de regime, conforme estabelece a legislação”, defendeu Aline Miranda. 

Na avaliação dela, não adianta o Estado criar medidas paliativas ou que apenas “escamoteiam” a situação, como a simples transformação de uma unidade carcerária em uma colônia prisional, ou a separação dos presos de regimes prisionais diferentes em alas, sem qualquer planejamento arquitetônico, inclusive. Para a defensora pública, é muito grave a convivência dos presos do semiaberto com aqueles que cumprem pena em regime fechado. Há relatos de presos que trabalham fora durante o dia e que sofrem pressão, assédio, para levar recados e entrar com coisas no presídio. “Esse é um contato pernicioso”, afirmou.

Segundo Aline Miranda, a ausência de previsão legal para permitir a prisão domiciliar aos apenados do regime semiaberto não pode impedir que esse benefício seja adotado e citou duas alternativas que estão dando certo em seu estado. A primeira é na cidade de Crato, onde uma parceria da Defensoria Pública com a Secretaria Municipal de Educação permite a criação dos Centros de Educação de Jovens e Adultos, onde o preso do regime semiaberto assiste aula de dia e à noite se recolhe em prisão domiciliar. Já a outra iniciativa é semelhante e se chama Fábrica-Escola. Ela surgiu de uma parceria entre a Defensoria, uma organização não governamental e a Universidade Estadual do Ceará.

Espírito Santo

Representando a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, o doutor e defensor público Humberto Carlos Nunes posicionou-se favorável à questão do cumprimento de pena em regime menos gravoso nos casos de ausência de vaga no sistema penitenciário para atender o regime indicado pela condenação. De acordo com o doutor, o condenado que cumpre pena em unidades que são destinadas ao sistema penitenciário provisório tem seus direitos, garantidos pela Constituição Federal, suprimidos. Além disso, Nunes ressaltou que o fato gera tratamento desumano aos presos, superlotação das unidades e consequências sociais. 

O expositor apresentou dados da pesquisa realizada pela Secretaria de Justiça do Estado capixaba, publicada no dia 26 de maio deste ano. De acordo com o estudo, o Espírito Santo conta com 15,5 mil presos, dos quais 7,5 mil são provisórios e 8 mil são condenados em caráter definitivo. O Estado conta, ainda, com 33 unidades prisionais, das quais 29 são masculinas e 4 são femininas. 

Nesse sentido, Nunes destacou que a superlotação das unidades ainda é uma realidade no Estado e que, apesar dos avanços no sistema estadual realizados na última década, ainda há muito a se fazer para garantir melhorias no sistema prisional. Segundo ele, o Estado adota o cumprimento de pena em regime menos gravoso em alguns casos, mas são necessárias maiores mudanças na Justiça para que a situação seja efetivamente transformada. 

“O recolhimento domiciliar só é usado em condenados que já recebem a condenação no regime aberto. O fato é de relevo e complexidade, mas não podemos tratar a questão como um calote.” Os títulos executivos são específicos, contemplam toda a questão processual ligada ao direito de defesa e de acusação, mas eles de ter eficácia. O Estado não pode se esconder atrás de uma condenação e não assumir o problema, e a Justiça não tem o condão de fazer as vezes do Estado”, afirma. 

Por fim, o expositor ressaltou a necessidade de formação de uma jurisprudência que trate do tema e ressaltou que a aplicação de pena em regime menos gravoso, nos casos de ausência de vaga no sistema penitenciário, possui resultados positivos, como a ressocialização dos presos. “A defesa do tratamento benéfico é uma condicionante. A omissão estatal não pode ser tratada em prejuízo do apenado”, disse. 





Fonte: STF

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