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Politica Brasil
Sexta - 22 de Junho de 2007 às 15:30

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SÃO PAULO - Paulo Markun oferece ao interlocutor, mas adverte: é o último cafezinho servido na bandeja na sala da diretoria - agora ele também vai cortar o café. Daqui em diante, só pagando. A sala do presidente também se despede de suas funções: doravante, tudo funciona em colegiado, todos numa só sala. É parte da blitz de austeridade que o novo presidente da Fundação Padre Anchieta, gestora da TV Cultura, anuncia na chegada ao cargo.

"O exemplo tem de vir de cima", justifica Markun, 36 anos de jornalismo, em entrevista na manhã de quinta-feira, 21. Antes de falar, fez questão de mostrar a nova "geopolítica" da fundação - a sala espartana onde se reúnem os diretores, os chefes de núcleo, a marcenaria, a sala de figurinos e de costura Ele pretende usar o know-how da emissora nas áreas de figurinos e cenários e criar centros de formação, em convênios com a Secretaria de Estado da Educação.

Os planos já são ambiciosos: em 2008, nas celebrações dos 200 anos da chegada da família real ao Brasil, vai ser composto um pool inédito de emissoras públicas para a produção de uma série em cinco capítulos. A TV Cultura encabeça o projeto que está orçado inicialmente em R$ 6 milhões.

Estado - O sr. já fez um diagnóstico. Qual é o nó principal a ser resolvido nessa primeira fase de sua gestão?

Paulo Markun - Mais do que a austeridade, há dois aspectos que são relacionados entre si. Aqui era uma TV que tinha uma fundação como seu braço burocrático, e a gente vai inverter. É uma fundação que tem uma TV como seu braço midiático É óbvio que para o grande público, se fala em Fundação Padre Anchieta, todo mundo conhece a TV e ignora a fundação. E isso não vai mudar. Agora, essa distorção provocava isso que você viu aqui: uma estrutura burocrática muito grande, muito lenta, e muito distanciada da televisão. Não tinha resposta automática, o que é necessário ter, para assegurar suas decisões. As atividades-meio eram mais importantes que as atividades-fim O novo modelo de gestão já estou implantando. Que é descentralizar agilizar, reunir em forma de colegiado, e ao mesmo tempo com funcionamento hierárquico, o que pode parecer um contra-senso. Mas não é assembléia, existe uma hierarquia. Outra coisa necessária é buscar mais investimentos. Estamos fazendo isso junto ao governo do Estado, anunciantes privados e prestadores de serviços. Para que possamos modernizar, enfrentar a digitalização e ter mais recursos para fazer as coisas.

Essa história dos recursos sempre ocupou a maior parte do tempo de todos seus antecessores no cargo.

O que estou pleiteando, junto ao governo do Estado, à Secretaria da Cultura, é a simples recomposição dos recursos históricos. No final do governo Alckmin e no primeiro do governo Serra, há uma situação na qual você registra menos R$ 10 milhões em relação à média do período entre 1999 e 2007. Isso foi compensado pelo aumento de recursos próprios: esforço de marketing, venda de publicidade, de serviços, patrocínio. Quero voltar à série histórica. Não é possível isso. Estou argumentando e tenho condições de explicar o que vamos fazer com esse dinheiro. Vamos melhorar a qualidade do produto. Sem qualquer delírio. Tenho o compromisso verbal do secretário João Sayad, que interpreta a posição do governo, de que isso vai acontecer. Isso foi dito aqui na reunião do conselho no qual tomei posse. Isso já dá mais um gás. Mas vou buscar recursos do governo federal, apoios e patrocínios, prestação de serviços.

O sr. mencionou o governo federal. Já ouvi de outros presidentes da fundação reclamações em relação à atitude do governo com a TV Cultura. O Franklin Martins agora é um canal mais aberto?

Tive duas conversas com o ministro Franklin Martins. Nós fomos colegas de TV, temos uma boa relação pessoal. Tudo que tenho ouvido dele, o discurso em relação à TV pública federal é muito compatível com aquilo que a fundação pratica. Mas ainda é só discurso, temos de esperar para ver. Mas em relação à distribuição de verbas federais para as TVs públicas, ele e o presidente Lula já assumiram, no Fórum da TV Pública, que será diferente de agora em diante.

Há um estigma de que as TVs públicas são partidarizadas. A Cultura recebe cerca de R$ 80 milhões do governo estadual, é ligada portanto ao governo. Qual é o grau de independência possível nessa relação?

Com relação a episódios do passado, eu posso falar só pelo Roda Viva. E tenho orgulho da maneira como (o programa) se comportou. De modo geral. Pode ter, ali e aqui, havido algum tipo de deslize. Mas eu acho que foi equilibrado, mesmo na cobertura da crise, do mensalão. Não posso falar pelo resto, porque não participei das decisões. Com relação à autonomia e independência da fundação, isso tem de ser assegurado pelo conselho, que tem apenas um terço de representantes do governo de São Paulo. A esse conselho, eu apresentei uma plataforma, que previa que vamos cumprir o que está na Constituição: que a televisão tem de ser apartidária, distante de grupos políticos, religiosos, culturais, etc. Confio nas informações do secretário, que transmite a posição do governador, que não terá nenhuma interferência.

O sr. já teve uma conversa com o governador Serra?

Estive com ele, publicamente, na Virada Cultural. Conversamos rapidamente, eu já era o candidato indicado, tive todo o apoio dos conselheiros que são ligados ao governo. Mas não houve conversa particular nenhuma. Vou pedir uma audiência para ele para tratar das questões institucionais, mas quero chegar a ele com uma proposta muito clara. Não se trata de oferecer nada para o governo, mas para a sociedade. Essa idéia da construção da TV pública é muito antiga, é uma batalha. Não terminou. Muitas vezes há setores, dentro do governo, que encaram assim: "Mas aquilo ali é nosso, somos nós que pagamos." Primeiro, é que hoje em dia é apenas 50% dos recursos, acho que tem de ser mais. Depois, que isso não é do governo, é da sociedade. Não é uma área de oposição a qualquer governo, mas a favor do cidadão, da cidadania.

Recebemos cartas no jornal de leitores que acham que certo tipo de publicidade descaracterizou a TV Cultura. Como vê essa questão?

Nós não vendemos audiência, nós vendemos uma causa, que é ajudar a TV Cultura. Nesse processo, em razão até mesmo das dificuldades de recursos, em certos momentos acho que a TV pode ter ido com muita sede ao pote, anunciar produtos que não têm a ver. Precisamos aperfeiçoar o modelo que vigora, para buscar uma definição mais clara.

A minissérie "A Pedra do Reino", na Rede Globo, levantou uma discussão sobre como se deve avançar na busca da qualidade na linguagem da TV. O sr. viu a série?

Não vi a série, infelizmente. A Globo, em mais de uma ocasião, já fez projetos, quase sempre com o mesmo diretor, de qualidade excepcional. Acho que ela dá uma contribuição à cultura brasileira quando faz isso. Só gostaria que isso acontecesse também aqui, e não só lá. Acho que já está acontecendo. É o caso do projeto Direções, com supervisão do Antunes Filho. A Cultura sempre foi um espaço de ousadia e inovação. De um tempo para cá, ela perdeu um pouco isso, talvez buscando melhores resultados de audiência, não sei. O que tenho usado como mantra é o Artigo 3.º do Estatuto: contribuir para a formação crítica do homem e o exercício da cidadania. Senão a gente perde o rumo. No ano que vem, vamos intensificar a busca da inovação, da ousadia, mesmo com risco de errar.

Audiência não é uma preocupação sua? Nunca?

É preciso buscar a maior amplitude de público possível, mas dentro da missão. O Vlado (Vladimir Herzog) e o Fernando Jordão tinham uma frase: "Que adianta fazer uma TV que ninguém vê?" Não adianta. Mas também que adianta fazer uma TV que é exatamente igual à TV comercial? Também não adianta. Cancelei o Sumo TV porque não tem a ver com o escopo do nosso projeto, que não é meu, é do estatuto da fundação. Se a fundação incorporar esse conceito, e o guardião disso é a direção, fica tudo mais fácil.

Outra imagem clássica da TV pública é que é um cabide de empregos. Suas primeiras medidas parecem corroborar isso: cortou cargos, demitiu. O sr. acha que a TV Cultura está gorda?

Com certeza não está no ponto. O que eu não tenho dito, me posicionando irresponsavelmente, é avaliar o quanto, aonde está gorda e como fica mais magra. Avaliar o corpo todo que está aqui. Tenho alguma experiência na vida privada como empresário, e muita, como jornalista, de acompanhar o processo de cortes. Em muitas delas, esse corte é feito a partir de um porcentual, 10%, 20%, e aí se corta indiscriminadamente. Aqui há pessoas de talento, de extrema competência, muitas delas subutilizadas; e também pessoas e setores que já poderiam estar aposentados. Precisamos saber qual o projeto, que pessoas precisamos. As iniciativas que tenho tomado, nesse primeiro momento, é dar o exemplo de cima para baixo. Aqui, na chamada alta administração, que é um termo horrível, você tem condições de ser mais ágil, mais eficiente, com menos gente.





Fonte: Estadão

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