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Nacional
Domingo - 27 de Novembro de 2005 às 09:42

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Foi por pouco, muito pouco, que o governo Lula não desmoronou na semana passada. Na seqüência da crise provocada pelas desavenças entre o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ele pediu demissão três vezes. Ela, uma. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a convocar o senador Aloizio Mercadante para que 'ficasse de prontidão' para assumir a Fazenda caso Palocci não recuasse. E o próprio Lula voltou a falar insistentemente em não ser candidato à reeleição - manifestação que deve ser compreendida menos como um desejo e mais como uma demonstração de seu desânimo com a discórdia entre os auxiliares. Palocci, que começou a semana demissionário, terminou sendo comparado ao craque Ronaldinho Gaúcho, no maior elogio já gasto por Lula a qualquer ministro em período recente. Mesmo assim, Palocci entra no mês de dezembro com menos poder e influência do que tinha 30 dias atrás. A dúvida é por quanto tempo ele vai aceitar essa nova condição.

Palocci pediu demissão pela primeira vez na quinta-feira 17, na esteira da entrevista em que Dilma acusou de 'rudimentar' seu plano de ajuste fiscal. Na prática, Dilma reclama da demora na liberação de verbas e tem o apoio implícito do presidente. Na sexta-feira 18, provocado por repórteres, Lula elogiou Palocci, mas ressaltou que a discussão era 'salutar para o país' e que 'quem manda no governo' é ele, o presidente. Palocci entendeu o sinal e fez novo pedido de demissão. A conversa com Lula não foi boa. O presidente defendeu Dilma, dizendo que sua função era executar metas. O presidente contou depois que não levou o pedido de demissão a sério. Achava que o ministro estava transformando a disputa com Dilma numa questão pessoal. Tinha razão em parte: Dilma e Palocci mal se falam há semanas.

Palocci reuniu assessores no fim de semana passado e comunicou a saída. Estava irredutível. Reclamou que não tinha apoio do presidente e que Dilma havia aproveitado para atacá-lo no turbilhão das denúncias sobre suas gestões como prefeito de Ribeirão Preto. Murilo Portugal, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, avisou o chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho, de que a situação era grave e pediu uma reunião do ministro com Lula. Alertado pelo assessor, Lula cancelou a reunião de coordenação do governo e chamou Palocci. Os dois tiveram uma nova conversa dura. 'Você reclama que a Dilma atacou quando você estava fraco. E o que você está fazendo, querendo sair agora?', torpedeou Lula, referindo-se à crise política. Palocci argumentou que a 'gastança' pretendida por Dilma colocaria em risco o esforço fiscal do governo e sugeriu Mercadante para suceder-lhe. Lula pediu um tempo. Os dois terminaram a reunião irritados.

À tarde, Lula chamou Palocci para participar da solenidade de sanção da Medida Provisória 255, de incentivos fiscais. Seria o primeiro encontro público de Palocci com Dilma. Porém, Palocci enviou em seu lugar o seu segundo do ministério, Murilo Portugal. Exasperado, Lula ligou para o ministro, que justificou a ausência dizendo que precisava se preparar para o depoimento que faria no dia seguinte à Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados. Lula desligou o telefone e falou cobras e largartos de seu principal ministro. Vendo a reação do chefe, Gilberto Carvalho procurou Palocci em seguida, pedindo que ele fosse à solenidade. Visivelmente contrariado, Palocci foi ao Palácio do Planalto. Entrou por uma porta alternativa e chegou à apresentação depois de todos os outros convidados. Não falou com ninguém. A foto de sua cara fechada foi estampada no dia seguinte em todos os jornais.

No discurso, Lula manteve a posição dúbia. 'Há espaço para que os ä ministros possam ter pensamentos diferenciados', disse. E citou Palocci: 'Ele é o meu ministro da Fazenda, escolhido por mim'. Impressionada pela evolução da crise, Dilma Rousseff conversou com o presidente. Manteve todas as suas críticas à política econômica, mas disse que entenderia se Lula tivesse de demiti-la para manter Palocci. Lula agradeceu, mas não deu sinais de que iria aceitar a saída da ministra.

No fim da tarde, Lula ligou para o senador petista Aloizio Mercadante. 'Fique preparado, porque acho que não vai dar para segurar o Palocci.' Pré-candidato ao governo de São Paulo, Mercadante disse que aceitaria o cargo, mas defendeu a permanência de Palocci.

A conversa decisiva do presidente com seu principal ministro foi tensa. Lula começou reclamando. Disse que, no início do ano, ambos concordaram com um superávit primário de 4,25%, índice que hoje, devido à demora nas liberações do Tesouro, passou dos 6%. Reclamou da demora na queda das taxas de juros e da diminuição do crescimento do PIB, que para o ano de 2005 deve ficar em torno dos 3,5% - abaixo dos 4% que Lula esperava. Mas o presidente também afagou o ministro. Reconheceu que sem Palocci o governo teria tido enormes dificuldades para obter credibilidade externa e que, mesmo com a eventual saída, manteria o eixo da política econômica porque acreditava em Palocci.

É impossível os ministérios gastarem tudo o que podem até dezembro O ministro prosseguiu em sua cantilena contra Dilma. Afirmou que a ministra havia minado sua credibilidade e que isso teria conseqüências na economia. Sugeriu que o governo aumentasse o superávit dos atuais 4,25% para 5%, uma demonstração inequívoca do esforço fiscal do governo. Lula recusou. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, apareceu e a conversa desviou para temas gerais da economia. 'Foi uma jogada de Palocci. Acossado pelas denúncias de Ribeirão, ele tentou colocar a faca no peito do presidente. Lula bancou e enquadrou Palocci', analisou um ex-ministro.

Na terça-feira, Palocci foi ao depoimento da Câmara com a notícia de sua saída como manchete na internet. Antes das 10 horas, assessores do governo já recebiam telefonemas da City de Londres, com a paranóia do mercado financeiro sobre mudanças na economia. Alertado, Lula mandou o ministro Jaques Wagner dar entrevista chamando Palocci de 'insubstituível'. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ligou para o secretário Murilo Portugal, que estava sentado ao lado de Palocci, e informou os líderes do PSDB. FHC pediu cautela aos tucanos, que na Câmara citaram os escândalos de Ribeirão Preto com menos ênfase que o planejado.

No meio do depoimento, Palocci soube que o próprio Lula declarou em Luziânia, Goiás, que o ministro estava 'mais forte do que nunca'. Relaxado, riu da pergunta direta do deputado Fernando Coruja (PDT-SC) - se era verdade que Mercadante já preparava o terno de posse. 'Eu não posso responder. Só o presidente Lula pode dar essa resposta', disse Palocci, diplomaticamente.





Depois do depoimento, Lula telefonou e selaram uma trégua. Na prática, é impossível os ministérios gastarem até o fim do ano tudo o que está no Orçamento. O índice de superávit deverá ficar perto dos 4,6%, acima dos 4,25% oficiais. Isso poderia ser uma forma não-oficial de fortalecer Palocci.

Seria, porém, impróprio considerar que o ministro ganhou a parada. Lula já demonstrou sua impaciência com o aperto de gastos, e a reação só deverá piorar com o ano eleitoral. Além de se adaptar ao figurino do Lula-candidato, Palocci terá de arrumar um modo de convivência comDilma Rousseff. Ele parou de falar com a ministra e faltou a duas reuniões da Junta de Orçamento, uma comissão que analisa a execução dos projetos oficiais. Palocci chegou a defender a saída dela do grupo, idéia que desagradou a Lula. A ministra Dilma vocaliza as críticas que outros ministros e assessores de Lula (como Luis Furlan, Ciro Gomes, Guido Mantega e Roberto Rodrigues) vêm espalhando há meses em conversas reservadas. E o ministro ainda vive assombrado pelos fantasmas de Ribeirão Preto.




Fonte: Revista Época

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