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Economia
Sábado - 05 de Março de 2005 às 11:25
Por: Érica Santana

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Brasília - A adesão de 76,07% dos credores à troca de papéis da dívida pública da Argentina, estimada em US$ 81,8 bilhões, deixou para traz a moratória declarada há três anos, em dezembro de 2001. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o professor de Estratégia Econômica Argentina da Universidade de Buenos Aires, Aldo Ferrer, avaliou que o processo vivido pelo país nos últimos anos faz parte de uma "divisão dos custos de um nível exagerado de dívidas, resultado das más políticas argentinas que foram respaldadas pelo FMI e pelos credores".

Para ele, o governo fez um "esforço muito grande" para completar uma negociação baseada apenas na sua avaliação da crise econômica e em seus recursos próprios. "A Argentina traçou uma estratégia fundada na sua própria apreciação do problema e não pediu nada a ninguém. Funcionou com seus próprios recursos e, portanto, a posição negociadora do país foi forte. A Argentina já não está sujeita ao risco país e aos rumores do mercado, porque está funcionado essencialmente com seus próprios recursos", declarou o professor Aldo Ferrer.

No dia do anúncio dos resultados da renegociação, o chanceler argentino, Rafael Bielsa, afirmou que a renegociação da dívida "marca uma nova maneira de se relacionar" com os organismos financeiros internacionais, e pode servir de "parâmetro", não como "exemplo" para outros países. Nessa entrevista, o professor Aldo Ferrer lembra que o governo do presidente Néstor Kirchner ainda ainda possui negociações pendentes com o FMI, mas que, agora, "a Argentina está em uma situação de maior solidez". Leia o primeiro trecho da entrevista.

Agência Brasil: Qual é a análise que o senhor faz da renegociação da dívida Argentina. A adesão de 76% pode ser considerada um ‘sucesso’?

Aldo Ferrer: Sim, é uma negociação de sucesso, que foi possível porque a Argentina recuperou a governabilidade da sua economia e como pressuposto, a moeda e o equilíbrio dos pagamentos e pôde se recuperar sem o acesso ao crédito internacional; com seus próprios recursos e com o lucro interno.

Em três anos o país conseguiu aumentar a produção em 40%; criar 2,5 milhões de postos de trabalho; praticamente duplicar a taxa de investimento e manter a estabilidade de preços. Isso indica que a Argentina conta com os meios necessários para se por de pé com seus próprios recursos e, por isso a proposta Argentina foi viável e aceita. A renegociação da dívida implica que ainda subsiste uma dívida importante que a Argentina pagará.

O nível da dívida era impagável nos termos originais e era impagável pelos critérios propostos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelos mercados financeiros. A Argentina traçou uma estratégia fundada na sua própria apreciação do problema e não pediu nada a ninguém. Funcionou com seus próprios recursos e, portanto, a posição negociadora do país foi forte. A Argentina já não está sujeita ao risco país e aos rumores do mercado, porque está funcionado essencialmente com seus próprios recursos.

Agora que se resolve o tema da troca dos papéis, é necessário ter muito cuidado para que não volte a surgir burburinhos especulativos sobre o endividamento e que se repita a desgraçada experiência da moratória. Isso deixa muitos ensinamentos para a Argentina, e é um passo positivo na recuperação do crescimento econômico do país.

ABr: A renegociação significa uma saída definitiva da moratória?

Aldo Ferrer: A negociação com o Fundo Monetário Internacional ainda está pendente, mas sim, essa é a saída definitiva da moratória, no que diz respeito à dívida que estava com o pagamento pendente. Como se sabe, cerca de 80% da dívida foi convertida em novos papéis. Os que não aceitaram a troca podem recorrem à justiça, que é muito complexa e seguramente não dará bons resultados. Mas para 80% dos detentores da dívida anterior, a Argentina é agora um devedor que pode cumprir, se crescer e se gerar os excedentes necessários. O balanço de pagamentos é o pressuposto para poder pagar a nova dívida. Outras negociações ainda estão pendentes com o FMI, mas a Argentina está em uma situação de maior solidez.

ABr: Quais foram os credores que não aderiram à proposta do governo argentino? Aldo Ferrer: Basicamente alguns países da Europa, como a Itália. Alguns aderiram, outros não, mas em outras partes a aceitação foi muito alta; quase 80% aceitou a realidade dos fatos: que a Argentina não podia cumprir com o pagamento da dívida do jeito que estava comprometida e nem podia pagar mais do que ofereceu. O que a Argentina ofereceu é um esforço muito grande, que implica em dividir o custo da moratória, porque ela foi conseqüência de um nível exagerado de dívidas, resultado das más políticas argentinas que foram respaldadas pelo FMI e pelos credores. Uma vez que o sistema entrou em solvência, era necessário compartilhar o custo. A Argentina absorve a sua parte e os outros têm que assumir a sua.

ABr: O FMI continua dizendo que é necessário que a Argentina trate os credores que não aderiram a renegociação da dívida com "boa fé". Ao que o senhor atribui essa declaração?

Aldo Ferrer: O Fundo continua usando uma linguagem que não corresponde à realidade. A Argentina negociou de boa fé. O que se pode questionar é a boa fé do Fundo, sua política e os argumentos que sustenta. Eu acredito que é uma expressão infeliz. A Argentina fez, muito claramente, uma proposta muito objetiva, explicando porque a estava fazendo e quais eram as causas. O país fez uma proposta importante, com um esforço grande. Eu diria que se falta boa fé não é da parte dos argentinos.

ABr: Qual é reflexo da negociação da dívida argentina para a América do Sul?

Aldo Ferrer: Eu acredito que cada situação é particular. A situação do Brasil é brasileira. A da Argentina é argentina. Cada país tem a sua realidade. Mas a experiência dos outros nos ajuda a entender mais coisas. Eu acredito que o que aconteceu à Argentina pode ser útil para compreender melhor a situação brasileira e dos outros países latino-americanos.





Fonte: Agência Brasil

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