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Repórter News - reporternews.com.br
Polícia Brasil
Segunda - 19 de Novembro de 2012 às 08:26

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Para que a roda de apostas siga girando, é necessário que os homens da lei fechem os olhos para a contravenção. É o que revela a reportagem de hoje da série que mostra como o jogo ilegal prospera no Estado.

Banqueiros do jogo do bicho são os maiores corruptores de policiais no Rio Grande do Sul. Compram informações em DPs, recrutam PMs em quartéis para executar desafetos, associam-se com investigadores fora da lei, manipulam inquéritos, transformam oficiais em capangas privados.

Nos últimos anos, dezenas de policiais civis e militares foram indiciados pelas respectivas corregedorias por envolvimento com jogatina. Na Polícia Civil, a maior parte dos cem inquéritos em andamento diz respeito à corrupção policial – envolvimento com a contravenção, com o tráfico de drogas e com o roubo e o furto de veículos. No Rio, onde o bicho nasceu 120 anos atrás e se consolidou como um poder paralelo, a força de sedução dos bicheiros corrói corporações, enfraquece o moral de batalhões, abala a credibilidade de delegacias.

– É o único crime que realmente é organizado no Brasil. Praticamente todos os bicheiros fazem a descarga (espécie de seguro de apostas altas) com contraventores do Rio. Quando eu era chefe de Polícia, 90% da polícia mordia (cobrava propina). Não há jogo sem envolvimento da polícia – diz Hélio Luz, chefe de Polícia no Rio entre 1995 e 1997 e o primeiro delegado a denunciar a “banda podre”.

ZH constatou como a contravenção se beneficia da parceria informal de policiais. Imaginando conversar com um fora da lei, o apontador do jogo do bicho José Fraga, 50 anos, travou o seguinte diálogo com a reportagem:

Repórter – Se der algum problema com o bicheiro responsável, quem cobre uma aposta alta?

Apontador – Aqui não tem problema. A gente tem um grupo.

Repórter – Que grupo?

Apontador – Estamos em todo o Litoral: Tramandaí, Osório, Santo Antônio, Torres, Terra de Areia. É tudo um grupo nosso, entendeu? Vem tudo para este homem aqui.

Repórter – Para quem?

Apontador – Para o seu Mateus.

Repórter – O velho?

Apontador – O velho Mateus.

Repórter – E os policiais não incomodam?

Apontador – Não. No nosso grupo não tem perigo.

Repórter – Quanto os maquineiros estão pagando para a polícia?

Apontador – R$ 150 por loja.

Repórter – Mas dá dinheiro.

Apontador – Claro que dá. Abre uma loja (com máquinas caça-níqueis) hoje e, em 40 dias, dá para tirar o investimento e investir em outra.

O que o incauto revelou ao repórter, a Corregedoria da Polícia Civil havia detectado, quatro anos atrás: Mateus Josué Sassi, 69 anos, um dos principais bicheiros do Litoral Norte, pagava “salários” mensais para escrivães e investigadores não o molestarem.

Pelas palavras de Seu Zé, como Fraga é conhecido, a parceria com policiais não se encerrou após a investigação da Cogepol, cujo resultado é o processo que tramita na Vara Criminal de Capão da Canoa sob o número 141/2.08.0006216-4. Pela apuração, os policiais Fabio Vivaldino dos Santos Lopes, 42 anos (Capão da Canoa), Gerson Luís da Silva Santos, 50 anos (Tramandaí), Edmilson Luís de Lima, 46 anos (Arroio do Sal), Silvio Roberto da Silva, 55 anos, Telvino Araújo Monti, 53 anos (ambos de Xangri-lá) e Alexandre José Falkenbach (Cidreira), recebiam mensalmente do grupo liderado por Mateus entre R$ 500 e R$ 1,5 mil. Hoje, quatro estão afastados e dois se aposentaram.

Conforme denúncia à Justiça, agentes da lei e contraventores eram explícitos ao telefone. Em uma conversa, o investigador Gerson alerta o contraventor Dejalmo sobre uma blitz:

– Sabes aquela tua lancheria antiga, que era do Baixinho?... Parece que vão bater lá hoje...

Na época lotado em Capão da Canoa, Fábio Vivaldino é outro enredado pelos grampos. Para conversar com Mateus, ele usava um aparelho celular com prefixo de outro Estado, trancava o nariz e fazia voz de pato ao telefone.

– Virou motivo de piada na corregedoria – confidencia o corregedor da Polícia Civil Paulo Grillo.

Em abril de 2008, um dos contraventores reclamou ao telefone:

“Eu vou tirar as máquinas e não molho mais as mãos de ninguém. Tenho nojo de lidar com esses ratos.”

Recentemente, chefes de investigação de metade das delegacias distritais de Porto Alegre foram condenados por cobrar propina de bicheiros.

CONTRAPONTOS

Mateus Josué Sassi, Fábio Vivaldino dos Santos Lopes, Edmilson Luís de Lima e Sílvio Roberto da Silva preferiram não se manifestar.

O que diz Vitor Maurício Horn, advogado de Alexandre José Falkenbach e Telvino Araújo Monti: “As provas contra meus clientes são frágeis. O Alexandre foi denunciado pela ex-mulher. Ela disse que o teria visto conversando com uma pessoa ligada ao jogo. O Telvino foi pego em escuta pedindo para trocar cheque”.

O que diz Gerson Luís da Silva Santos: o advogado que consta no processo como defensor de Santos informou que não atua mais no caso. Ele não soube informar quem é o advogado atual do investigador. Santos também foi procurado, mas até a manhã de sábado não retornou aos chamados.

TENENTE-CORONEL ENTRE OS SUSPEITOS

Um tenente-coronel, cinco sargentos e 13 soldados de dois batalhões da Capital são suspeitos de garantir a segurança de contraventores mediante pagamento de propina. Durante o horário de serviço, PMs teriam atuado como capangas de donos de caça-níqueis. Um dos suspeitos, o tenente-coronel Nelson Alexandre de Moura Menuzzi, 50 anos, pertencia ao comando do 11º Batalhão de Polícia Militar quando sua mulher e sogro teriam explorado máquinas na região.

O processo no qual o oficial e 18 praças são réus soma 3 mil páginas. Entre os beneficiados pela suposta proteção de PMs estão Tanise Menuzzi, mulher de Menuzzi, e o pai dela, Cledi Clementino Assis Machado. Conforme denúncia à Justiça, Tanise e Cledi “seriam sócios de casas de jogo” clandestino na área de atuação do 11º BPM. Entre dezembro de 2008 e abril de 2010, diz o documento, Menuzzi, que hoje comanda o presídio da PM, “deixou de determinar diligências necessárias a fim de fechar a casa de jogos ilegais de Cledi”.

A promotoria estima o suposto dano causado à tropa: “O mal-estar provocado pela conduta prevaricadora do denunciado incentivou praças a cometer ilícitos com o submundo dos caça-níqueis, na área do 11º BPM, vários deles cobrando propina para não atuar. Outros, atuando como seguranças em casas de jogo”.

Menuzzi tornou-se réu em processo na Justiça Militar porque PMs denunciados na mesma ação penal – por fazer a segurança de casas clandestinas – apontaram o oficial. Conforme a investigação, o sargento Ricardo Arraché Gonçalves e o soldados Mauro da Silva Santos, com outros colegas de farda, “exigiam R$ 2 mil por semana do proprietário do Bingo Fortuna para mantê-lo em funcionamento”. De outros estabelecimentos na Zona Norte, PMs cobravam valores distintos. Os soldados Peterson Werner Borges e Marcelo Neves de Almeida teriam extorquido R$ 1,5 mil de Carlos Rayan Filho e Rodrigo da Silva Slaski, responsáveis por uma casa de jogos na Rua Itararé. Já o soldado Samir Parreira teria, com dois praças, repassado a localização de viaturas, vazado operações e realizado a segurança de casas. Um relatório do 11º BPM descreve o sogro de Menuzzi:

“Considerado um dos mais ferozes donos de casas de jogo, é temido por suas supostas ligações e indicado pelos demais proprietários de casas de jogos como responsável pela queda dos concorrentes, pois, segundo suas palavras, tem as costas quentes e o comando está ao seu lado”.

CONTRAPONTOS

O que diz Jairo Luís Cutinski, advogado dos PMs Ricardo Arraché Goncalves, Peterson Werner Borges, Mauro da Silva Santos e Marcelo Neves de Almeida: “Nenhum deles recebe dinheiro de contraventores. Muitas pessoas entraram no processo sem que tivessem envolvimento com bingos. Há inclusive escutas telefônicas questionadas na Justiça. Há furos na investigação. O processo, ainda em fase de instrução, foi desencadeado de forma precária e as provas são frágeis”.

O que diz Andréa Ferrari, advogada de Samir Parreira: “Ele não tinha envolvimento com a exploração de caça-níqueis. Meu cliente fez, algumas vezes, a segurança de uma garagem sem saber que, próximo do local, funcionava um estabelecimento com caça-níqueis”.

O que diz o tenente-coronel Nelson Alexandre de Moura Menuzzi: “Não tenho nada a declarar. Quem pode se manifestar é o meu advogado”.

O que diz o advogado Luiz Carlos Ferreira: ZH ligou para Ferreira, deixou mensagem de voz, enviou mensagem de texto e e-mail, mas ele não retornou aos chamados.

ESQUEMA NA SERRA TERIA 14 POLICIAIS

Caxias do Sul transformou-se no paraíso dos contraventores. Criminosos que atuavam em grupos independentes e exploravam 60 mil caça-níqueis contariam com proteção de 14 policiais – policiais civis, PMs e um agente federal aposentado. Denominada Oitava Praga, a operação da Polícia Federal desbaratou, a partir de grampos policiais e documentos apreendidos, quatro facções criminosas. A investigação detalhou a ligação entre agentes da lei e donos de máquinas programadas para nunca perder.

– O esquema de caça-níqueis estava ficando violento como no Rio – diz o delegado Noerci da Silva Melo.

Desmembrado em seis processos, que tramitam em segredo de Justiça, as ações penais documentam parcerias entre contraventores e policiais. Disnei Artur Ribeiro integrava um dos grupos que fornecia caça-níqueis para o Vale do Sinos, a Serra, a Capital e a Fronteira. Em um dos depoimentos, Disnei detalhou uma suposta transação ocorrida numa DP da Capital: “Em agosto de 2007, dia 14, foi até a 4ª DP, encaminhado até a sala de investigação por um policial de cor negra. Havia mais dois policiais. Um deles pediu R$ 50 mil para que não levassem Leocir Montovani para o presídio... Os policiais aceitariam R$ 35 mil e, após, admitiram R$ 30 mil. Ele disse que conseguiria R$ 20 mil até as 18h. Entregou o resto na outra semana”.

Em outro trecho, Disnei identifica os autores da suposta extorsão:

“Olhando a foto de Carlos Carvalho (Carlos Ezael Alfaro Carvalho), reconheceu como sendo o policial para quem entregou R$ 20 mil. Olhando para a fotografia de Leandro Laquini dos Santos reconheceu como sendo o policial para quem entregou R$ 10 mil. Olhando a fotografia de Sidinei Oliveira, reconhece como sendo o policial de cor negra”. Na Justiça, Disnei voltou atrás e negou a corrupção. Lotado na Capital, o investigador Luiz Henrique Reis Jacques também é réu no processo. A PF flagrou 145 ligações entre Jacques e o contraventor Marco Antonio Mariano, um dos sócios do Bingo Real Palace. Reis foi condenado em primeira instância a três anos e oito meses por formação de quadrilha e corrupção passiva. Ele recorreu. Conforme a Corregedoria da Polícia Civil, está afastado das funções.

CONTRAPONTOS

Carlos Ezael Alfaro Carvalho (à Justiça): diz que nunca deu proteção a pessoa envolvida com crime.

Leandro Laquini dos Santos (à Justiça): Negou envolvimento com contraventores.

Sidnei Galeão Oliveira (à Justiça): “Nunca passei informações privilegiadas a qualquer um dos citados membros da organização criminosa investigada, nunca recebi vantagem indevida por informações privilegiadas nem por liberação ou apreensão de máquinas apreendidas ou a não apreensão delas”.

Luiz Henrique Reis Jacques (à Justiça): “Nunca instruí membros de organizações criminosas ou proprietários de bingos de como proceder diante de operações policiais. Nunca recebi qualquer quantia a título de contrapartida de informação”.

O que diz Alberto Iván Zakidalski, advogado de Disnei Artur Ribeiro: “Meu cliente não ofereceu dinheiro à polícia. Ele voltou atrás no depoimento à Justiça. O primeiro depoimento, em que havia dito que deu dinheiro a policiais, foi realizado sem acompanhamento de um advogado”.

O que diz Daniel Gerber, advogado de Marco Antonio Mariano: “O meu cliente foi condenado em primeira instância por contrabando e corrupção policial. Estamos recorrendo. No caso da corrupção policial: vários policiais jogavam na casa, mas jamais meu cliente comprou informação ou qualquer coisa semelhante”.

PROTEÇÃO PARA O JOGO EM DELEGACIA DE GRAVATAÍ

Um homem temido pelos colegas de corporação. Assim pode ser descrito Miguel de Oliveira, o Peixe, 65 anos, ex-chefe da investigações da 2ª DP de Gravataí. Indiciado em oito inquéritos que resultaram em sete processos, Miguel está condenado a 104 anos de prisão. O principal deles, por proteger o bicheiro Jorge Ivan Fontela Liscano, o Mão Branca, de quem é compadre e amigo há três décadas. Miguel permanece em liberdade, aguardando o desfecho de recursos na Justiça.

No ano passado, enquanto esteve preso na sede do Grupo de Operações Especiais (GOE), Miguel negou a ZH envolvimento com crimes.

Entre os crimes atribuídos a Miguel, que ingressou na polícia em 1974, um está ligado à contravenção. Em 2007, quando traficantes eram investigados pela venda de drogas nas imediações da Escola Antônio José de Alencastro, em Gravataí, grampos telefônicos trouxeram à tona a relação de Miguel com o bicheiro.

– A ligação dele com o Mão Branca era o seu maior orgulho. Sempre dizia: este aí é gente da gente. Ninguém toca – comenta um ex-colega.

Além de informar Mão Branca sobre as batidas policiais, Miguel usava seu distintivo para fechar as casas dos concorrentes do bicheiro. E também para intimidar as pessoas que deviam dinheiro nas casas de jogos clandestinos de Mão Branca. No processo 015/2.07.0005640-0, Miguel se declara amigo do contraventor. Mas nega ter prestado serviços a ele. No documento, Mão Branca também nega ter usado os serviços do seu compadre para proteger os seus negócios com máquinas caça-níqueis.






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