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Domingo - 13 de Fevereiro de 2005 às 11:07
Por: Rose Domingues

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É comum mulheres que dão queixa por apanhar do marido retomarem o relacionamento conflituoso e continuarem apanhando. Por medo ou insegurança, algumas retiram a queixa ainda na delegacia. Outras desistem do processo na frente do juiz, alegam geralmente que o agressor só bate quando está alcoolizado. Sem intervenção direta do Estado, ao criar uma rede eficiente de proteção para essas mulheres, a cultura da violência continua matando e anulando silenciosamente diversas gerações de brasileiras.

Para o juiz titular do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá, Mário Roberto Kono, apesar de não existirem dados locais catalogados, o índice de reincidência da violência contra a mulher - em Mato Grosso - ultrapassa os 16% obtidos por uma pesquisa recente do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP).

O medo, a vergonha e a impunidade são motivos que levam a vítima a desistir do processo. Na maior parte do país, quando a justiça "mete a colher" pune o agressor apenas com o pagamento de cestas básicas ou prestação de serviços à comunidade. "É uma punição dupla para a mulher que resolveu denunciar, pois, com essa pena, grande parte dos agressores tira alimentos da boca do próprio filho. Resolvemos acabar com essa prática equivocada", completa o juiz Kono, único do Estado que teve a iniciativa de criar um Núcleo de Assistência Psicossocial Forense (NUPS) para aplicar penas terapêuticas aos agressores da violência familiar e prestar auxílio psicológico também às vítimas.

O juiz explica que o apoio psicológico é fundamental para que o casal decida como viver dali para frente. Para a mulher agredida, é um momento único e decisivo de reflexão. Mudar paradigmas e rever a própria maneira de ser, de pensar, longe do agressor e da vida de sofrimentos que conhecia até aquele momento não é simples, pelo menos é isso que confirma a Psicóloga do NUPS, Priscila Batistuta Nóbrega. Segundo ela, dizer que mulher gosta de apanhar é uma desculpa que apenas reforça a violência. "Quem diz isso não pensou ou vivenciou o assunto, não se colocou no lugar do outro. Ninguém gosta de apanhar ou sofrer. As pessoas apenas se acostumam à situação, por um ou outro motivo. A violência na nossa sociedade é cultural, aprendemos e a mantemos através de pensamentos como esse".

Apesar de parecer uma constatação nova, o abismo de diferenças não-biológicas entre homens e mulheres não surgiu ao acaso, ele apenas vem sendo reforçado com maior ou menor força através dos tempos. De acordo com a professora universitária e presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulheres, Vera Bertolini, a violência contra a mulher em uma sociedade fundamentada a partir do Cristianismo data do livro Sagrado, a Bíblia. Na Gênesis, por exemplo, é atribuída a primeira mulher, Eva, criada a partir da costela do primeiro homem, Adão, a culpa pelo Pecado Original. O "castigo" divino dela por ter comido a "maçã" seria o sofrimento eterno e a obediência ao marido.

Em Cuiabá, cerca de 800 mulheres desistiram de processar seus maridos (agressores). Mesmo assim, ambos se submeteram ao tratamento forense, obrigatório para evitar justamente o arrependimento da mulher. No Juizado Especial Criminal, a violência familiar se tornou assunto prioritário, já que nos últimos três anos, vem se destacando com nada menos que 60% de toda a demanda de casos.

No ano passado, foram pelo menos 4,8 mil processos só de agressão contra a mulher. Na avaliação do juiz Mário Kono, acostumado a lidar com esse tipo de processo, a reconciliação geralmente resulta em mais agressão para a vítima.

"Tem maridos que chegam aqui bravos, dizendo que a mulher é propriedade sua, outros choram, prometem que nunca mais voltarão a bater".




Fonte: A Gazeta

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