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Esportes
Terça - 06 de Abril de 2004 às 11:34
Por: Marcos Rogério Lopes

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Florianópolis - A explicação para a queda de rendimento do maior tenista brasileiro de todos os tempos - que deixou ontem a lista dos 20 melhores do mundo - não está na falta de motivação ou em problemas pessoais, alheios ao esporte. Passados mais de dois anos da cirurgia a que foi submetido no quadril direito, Gustavo Kuerten ainda não está totalmente recuperado. Em outras palavras, Guga nunca mais foi o mesmo depois da operação. A revelação foi feita pela fisioterapeuta Mariângela Pinheiro de Lima, contratada em novembro para tentar restabelecer as condições ideais do atleta. "Ele não sente dor, mas, por outro lado, alguns de seus movimentos ficaram comprometidos", disse com exclusividade ao Estado.

Na divulgação do novo ranking da ATP, ontem, Guga caiu da 19ª para a 22ª posição, conseqüência direta de duas derrotas consecutivas na estréia dos Masters Series de Indian Wells e Key Biscayne e indireta da operação. De acordo com Mariângela, é natural que um paciente submetido a tal tipo de intervenção sinta um desequilíbrio no organismo como um todo. O atleta já apresentou uma significativa melhora em seu quadro, mas só daqui a três ou quatro meses ele poderá se ver livre de qualquer limitação. "Um problema como esse acaba tendo influência em vários aspectos. Compromete a velocidade, a força muscular, o equilíbrio."

Para o tratamento, a fisioterapeuta utiliza o método de Reequilíbrio Tóraxico-Abdominal (RTA) - três horas diárias, nos períodos em que ele não estiver competindo ou treinando pesado. RTA é uma técnica desenvolvida por ela e consiste num trabalho que enfatiza a respiração para a recuperação de problemas no aparelho músculo-esquelético.

Mariângela diz que a região do quadril de Guga não é a única prejudicada e por isso tenta recuperar o organismo como um todo. "Ele é muito dedicado e está numa curva ascendente, melhorando cada vez mais."

Ela esteve ao lado do brasileiro nas vitoriosas temporadas de 2000 e 2001 - nesses dois anos, conquistou o bi e o tri em Roland Garros. Na ocasião, curou-o das fortes dores nas costas que o vinham incomodando e se afastou do tenista na véspera de sua cirurgia, por não querer dividir seu trabalho com outros especialistas. Guga foi operado em Nashville, por Thomas Byrd, e se aproximou então dos fisioterapeutas da Associação dos Tenistas Profissionais, o dinamarquês Per Bashtholt e o alemão Alex Stober.

Mariângela retorna agora confiante em deixar o catarinense no melhor de sua forma. "No começo deste ano a gente já esperava bons resultados. Com o tempo eles virão, tenho certeza." O próximo desafio de Guga será em Monte Carlo, a partir do dia 19, no início da temporada dos torneios em seu piso favorito, o saibro.

Mariângela ressalta, porém, que não espera devolver ao Brasil o ex-número 1 do ranking mundial. "A gente tem de considerar que ele está mais velho, mudou seu estilo e mais uma série de outros fatores. O que, como fisioterapeuta, eu posso garantir é que ele vai recuperar plenamente seus movimentos."

Erros - A primeira explicação para tentar se entender o porquê de tão demorado processo de recuperação pode estar no curto período de descanso pós-operatório e a pressa no retorno do jogador às quadras. Logo após a delicada cirurgia, no dia 26 de fevereiro de 2002, especialistas sugeriam que Gustavo Kuerten ficasse pelo menos seis meses parado. Thomas Byrd falava em três. O brasileiro, no entanto, um mês e 15 dias depois já estava treinando e disputou sua primeira partida (de duplas, em Maiorca, ao lado de André Sá) após dois meses apenas.

De acordo com o fisiologista do São Paulo, Turíbio Leite de Barros, "é nítido que Guga não é mais o mesmo jogador de antes da cirurgia" e tudo indica que, na ânsia de retornar, "atropelou o tempo de recuperação". Numa artroscopia delicada como essa, explica, é natural que ocorra algum tipo de desequilíbrio no corpo e, por isso, é essencial um profissional qualificado permanentemente ao lado do paciente. "Em vários casos, a pessoa nunca volta ao normal e tem de manter o tratamento pela vida inteira."

Por ter se afastado de Mariângela, Gustavo Kuerten ficou sem fisioterapeuta após a operação e só meses depois passou a se tratar com o alemão Alex Stober, que ainda assim não o acompanhava em todos os torneios. "Eu acho um absurdo, inconcebível, que um esportista do porte do Guga não tenha pessoas e equipes estruturadas para lhe dar a devida orientação. Ele tinha de levar a tiracolo, sempre, um fisioterapeuta em suas viagens", opina Turíbio.

A opinião do fisiologista do São Paulo se encaixa a de um dos maiores especialistas do País em medicina desportiva e artroscopia, o médico Lafayette Azevedo Lage. Três dias após a operação (1.º de março de 2002), ele alertava em matéria do jornal catarinense A Notícia sobre os riscos de o tenista apressar seu retorno. O médico sugeria que ele esperasse pelo menos seis meses, dividindo esse período em 90 dias de fisioterapia e 90 de treinamento progressivo. "As competições exigem um superesforço da região do quadril e isto é preocupante. Se houver uma relesão, a situação se complicará", afirmou na época.

Estilo de vida - A segunda possível causa pode estar relacionada diretamente ao estilo de vida de Gustavo Kuerten. Quando está no Brasil, em Florianópolis mais especificamente, costuma jogar futebol nas praias de sua cidade natal - é volante em um time, com camisa e tudo, formado por seus amigos. Além disso, tem o hábito de correr na areia para manter a forma física.

A fisioterapeuta Mariângela admitiu que a areia fofa não seria aconselhável no caso de um paciente em tratamento, mas vacilou logo em seguida ao dizer que Guga não tem mais jogado futebol. "E a gente está numa sintonia boa. Ele me conta tudo", garantiu. "Se bem que hoje em dia ele até poderia jogar", remendou.

A reportagem do Estado apurou que, mesmo depois da cirurgia, ele nunca deixou de jogar as peladas em suas praias preferidas, Mole, Joaquina e Brava. Em dezembro, após já ter estabelecido contrato com Mariângela, ele teria voltado a jogar e a correr na areia fofa da Praia Brava.

Turíbio Leite de Barros sai em defesa do tenista. "Se a pessoa se sentir bem jogando, de vez em quando só, não faz mal nenhum." Mariângela, seguindo a mesma linha de raciocínio, não vê contra-indicação na prática do surfe, outro hobbie de Guga. "Ele se sente bem, fica feliz e ainda está em contato com a natureza. É até um benefício."

Problemas pessoais - Somado ao fantasma da operação de 2002, que ainda o atormenta, pessoas ligadas à família Kuerten confirmam que o atleta ficou arrasado após os problemas de saúde apresentados por seus sobrinhos. Em junho do ano passado nasceram, prematuros, os dois filhos de seu irmão Rafael - o tenista é padrinho de ambos. Eles tiveram complicações clínicas e até hoje sofrem com isso.

"Ele (Guga) sentiu muito tudo isso. Todos, aliás, sentimos. Não sei se isso o prejudicou na hora dos jogos, mas não seria surpresa", disse alguém que acompanhou de perto o drama.




Fonte: Estadão.com

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