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Saúde
Terça - 25 de Fevereiro de 2014 às 13:19

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Não me lembro da minha vida sem medicamentos. Desde pequena, mesmo sem saber que eu tinha uma doença sem cura, faço tratamento para manter o vírus HIV sob controle. Vi meus pais falecerem em decorrência da aids, meus colegas me evitando e minha saúde fraquejar. E aí me afastei das pessoas para não ser rejeitada. Só consegui aceitar minha deficiência e sair do isolamento quando abri minha situação para o mundo. Aprendi que a aids era uma condição e não uma sentença de morte.”

Leia a íntegra do depoimento abaixo.

Perdi meus pais para a AIDS

Sei que meu pai contraiu o vírus e transmitiu para a minha mãe por meio da relação sexual. Quando ela engravidou de mim, eles não sabiam da doença. Depois que nasci, em 1992, meu pai começou a adoecer. Quando procurou o médico, logo foi diagnosticado e deu a triste notícia para minha mãe. Ela fez o exame e deu positivo. Portanto, eu corria o risco de ter sido contaminada também, durante a gravidez ou pela amamentação. Fizeram o teste e, sim, eu tinha o vírus da aids.

Nós três começamos um tratamento pesado para manter o vírus sob controle. Tínhamos que reforçar nossa imunidade, fazer uma bateria de exames e viver em alerta. Meu pai morreu quando eu completei 2 anos de idade. Minha mãe lutou contra a doença por mais tempo.

Mas ela sofreu muito mais. Imagina só: ela foi contaminada pelo marido e ainda contaminou a filha. Deve ter sido difícil lidar com essas emoções. E minha mãe não resistiu: entrou em depressão e abriu mão do tratamento. Sem defesa, ela contraiu todas as doenças possíveis e ficou em estado vegetativo. Cada vez que eu ia visitá-la no hospital, mamãe estava pior.

Ela me dizia que eu tinha um problema de saúde igual ao dela e que a gente precisava tratá-lo. Mas ninguém nunca me disse que eu era portadora do vírus HIV. Só que, na escola, de algum jeito, meus colegas ficaram sabendo que eu tinha aids antes de mim. Aí, ouvi um bochicho de pessoas comentando que eu estava contaminada com um vírus. Alguns colegas começaram a me evitar.

Nessa época, uma tia me adotou e me preparou. “Sua mãe está muito fraquinha e já está chegando a hora de ela descansar. Quando isso acontecer, você vai morar comigo.” Mamãe morreu logo depois e, aos 13 anos, fui viver com minha tia em Céu Azul, onde eu passei a infância.

Sentia medo da rejeição

Lá, minha estratégia para me defender era ficar longe de todo mundo. Tinha pavor de ser rejeitada. Minha sorte foi que comecei a fazer um tratamento psicológico específico para pacientes com HIV. Isso me ajudou a entender a doença. Também fui orientada a frequentar grupos de jovens infectados. Foi assim que conheci a Rede Nacional de Adolescentes e Jovens que Vivem com HIV. Participei de congressos e fiz amigos que, assim como eu, nasceram infectados.

O problema foi o entendimento distorcido que tive da situação: eu achava que seria mais feliz se me relacionasse apenas com portadores do vírus. E aí continuava calada no dia a dia, no convívio com as outras pessoas. Quem sabia da minha doença tinha descoberto por algum outro meio, nunca pela minha boca. É claro que os amigos mais próximos sabiam e viam o meu tratamento, afinal, tomo sete comprimidos por dia. Se eu seguir os horários, não tenho efeito colateral. Mas quando esqueço ou atraso sofro com náuseas e vômitos. Também preciso controlar os exames: tenho que fazer hemogramas frequentes e um exame que analisa minha imunidade e a quantidade de vírus a cada seis meses. Fora isso, tenho uma vida normal. Mesmo assim, fazia questão de esconder minha doença do mundo.

Abri o jogo e levo uma vida normal

Mantive o silêncio até os 19 anos, em 2012, quando fui morar em Cascavel (PR), na casa de outra tia, para fazer faculdade de ciências biológicas. A ideia de ir para um lugar onde ninguém me conhecia me parecia maravilhosa. Só que, naquele mesmo ano, fui convidada pelo Ministério da Saúde para participar de uma campanha de conscientização contra o preconceito. Queriam mostrar que a aids não se pega no ar, no contato das mãos ou na comida. O resultado ficou tão bacana que decidiram espalhar a campanha pelo Brasil, inclusive nas cidades dos portadores que participaram do manifesto. Quando os cartazes com nossas fotos chegaram à minha faculdade, a diretoria me chamou para pedir minha autorização. Respirei fundo e aprovei!

A maioria das pessoas pensou que eu fosse modelo da campanha. Foi assim que decidi contar a verdade para aqueles que se aproximavam. E, para a minha surpresa e alegria, todos reagiram muito bem! Tanto que fui morar no apartamento das minhas novas amigas e tinha uma vida normal ao lado delas.

E foi bem nessa época que tive meu primeiro namorado, o Vinicius*, que não era portador do HIV. Ele sabia da minha doença e, mesmo assim, se apaixonou. Ficamos juntos por seis meses e sempre tomamos todos os cuidados necessários! Nosso romance acabou, mas foi ótimo.

Quero me casar e adotar um filho

Sempre soube que não posso descuidar dos meus remédios e da minha alimentação. Vi o que aconteceu com minha mãe quando ela parou de se tratar. E uma vez senti na pele o resultado de um descuido: não me alimentei, fiquei muito fraca e tive uma convulsão dentro da sala de aula. Fui atendida e logo fiquei bem, mas, daquele dia em diante, aprendi que tenho que levar os cuidados a sério mesmo. Depois de um ano e meio morando com minhas amigas, voltei para a casa da minha tia. Ela cuida muito bem de mim e eu realmente preciso desse apoio.

Estou quase terminando a faculdade e hoje vejo que minha vida universitária fez com que eu aceitasse a minha condição. Tive a prova de que posso levar uma vida normal. Quero trabalhar na área de farmácia e penso em me casar e ser mãe, mas sei que isso pode comprometer minha saúde e expor meu bebê a uma série de procedimentos desagradáveis, como tomar remédio frequentemente. Por isso, penso em adotar um filho. Acho mais justo. Vou sempre lutar pela minha vida e buscar um futuro melhor com a realidade que tenho.





Fonte: Veja!

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