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Repórter News - reporternews.com.br
Saúde
Sábado - 19 de Julho de 2014 às 15:29

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A restrição ao uso de ritalina (nome comercial do metilfenidato) para tratar TDAH (Déficit de Atenção e Hiperatividade) em crianças na rede pública de São Paulo fomentou uma grande discussão entre a classe médica. A portaria 986/2014 publicada em junho pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo exige uma avaliação mais ampla do caso de pacientes antes de se optar pelo tratamento medicamentoso.

A ritalina é usada para aumentar a atenção, concentração e foco dos portadores da doença que têm dificuldades para iniciar tarefas, problemas com organização, planejamento ou mesmo memória a curto prazo.

Segundo a norma, "o tratamento medicamentoso deve ser considerado somente depois do levantamento detalhado da história da criança ou jovem e avaliação por equipe multidisciplinar em Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) Infantil ou serviços com vínculo com o SUS, combinado com intervenções terapêuticas de natureza psicossocial e de educação”.

Para os especialistas ouvidos pelo R7, a medida é considerada injusta e prejudica a população mais carente. O presidente da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), Antônio Geraldo da Silva, critica a necessidade de submeter o paciente a uma equipe multidisciplinar, invalidando a decisão médica.

— Isso é um patrulhamento do nosso trabalho. É censura à prescrição e um processo ideológico. Se há excesso no uso de ritalina não é problema médico, mas policial e de vigilância sanitária.

Como profissional e mãe de uma jovem com o transtorno de atenção, a psicóloga e psicoterapeuta Iane Kestelman, presidente da ABDA (Associação Brasileira de Déficit de Atenção), concorda que a prescrição deve ser médica, mas o tratamento multidisciplinar.

— O diagnóstico e a prescrição do medicamento cabem ao médico. É incompreensível que ele perca essa autonomia. É verdade que o tratamento deve envolver profissionais de outras áreas, mas a maioria desconhece TDAH e não há nenhuma iniciativa para sua capacitação.

A psiquiatra Ivete Gattás, especialista em psicoterapia infantil pelo Grupo de Estudos de Psiquiatria, Psicologia e Psicoterapia da Infância da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), também é contrária à portaria e a considera “total retrocesso”.

— A medida vai dificultar o acesso de quem já está sendo tratado e se beneficia com a medicação. Além disso, vale ressaltar que a ritalina é a primeira alternativa medicamentosa reconhecida mundialmente para tratar TDAH.

A presidente da ABDA lembra que a falta de tratamento pode desencadear consequências psicológicas graves, como “baixa autoestima, depressão, abuso de drogas, exclusão social e ansiedade”.

— Estamos abandonados pelo poder público. Penalizar as pessoas com TDAH é um absurdo, já que elas não são amparadas por nenhuma política pública.

Embora o transtorno de atenção esteja presente em 5% da população infantil, a psiquiatra da Unifesp avisa que a maioria dos casos não é diagnosticado e poucos são tratados.

— Não há exame para detectar TDAH, por isso é o diagnóstico difícil se baseia em avaliação clínica. Os profissionais precisam ser bem orientados e capacitados para lidar com esses pacientes e não é o que acontece.

O outro lado

Para José Ruben de Alcântara Bonfim, um dos redatores da medida e médico da assistência farmacêutica da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, a portaria não é restritiva, pelo contrário, “melhora uma regulamentação adotada anteriormente, em 2007”.

— Em sete anos, muita água rolou. Há muitas discussões sobre TDAH, principalmente se é uma doença. Em primeiro lugar está a segurança do paciente. Qualquer remédio só deve ser indicado quando os benefícios ultrapassam os riscos.

Bonfim acrescenta que “para elaborar o novo texto foram consultadas bibliografias consistentes, que inclusive mostram que a medicação causa dependência química”.

— Nada saiu de forma espontânea de algumas cabeças. Além disso, vale lembrar que os melhores serviços de assistência terapêutica do mundo aplicam critérios cada vez mais rigorosos para diagnosticar o transtorno. Os médicos não podem achar que têm poder exclusivo de diagnóstico.

Na opinião de Bonfim, a decisão de prescrever o medicamento deve ser compartilhada por uma equipe de saúde mental composta por neurologista, psiquiatra, psicólogo, fonoaudiólogo, entre outros.

O presidente da ABP rebate a afirmação e ressalta que “a própria prefeitura não tem equipe multidisciplinar suficiente para atender toda a população”. Além disso, Ivete garante que a medicação não traz riscos à saúde do paciente.

— Quadros psicóticos e dependência são efeitos colaterais raríssimos. Em longo prazo, a criança pode apresentar alteração do crescimento. Já em curto prazo, alguns desconfortos provenientes da medicação, como dor de cabeça, diminuição do apetite e prejuízo do sono, melhoram ao longo do tempo de uso.

Sobre a medida poder contribuir para a redução de gastos da Prefeitura com a medicação, Bonfim garante que a afirmação não tem o menor sentido.

— Um comprimido de metilfenidato custa R$ 0,70, há remédios muito mais caros. A compra do remédio é feita pela própria prefeitura e não pelos governos do estado ou federal.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que “a medida não é destinada a diminuir custos com a compra do medicamento, mas sim, seguir o fundamento científico da prescrição “.

Ainda segundo o órgão, “são distribuídos anualmente 700 mil unidades do comprimido e não há falta do medicamento nas farmácias de referência da rede municipal da saúde”.

TDAH: um difícil diagnóstico

Ao lado da conhecida dislexia (dificuldade na leitura e escrita), o TDAH é um dos principais transtornos ligados à aprendizagem. A doença é baseada em três itens principais: desatenção, hiperatividade e impulsividade, e costuma ser mais evidente em meninos do que meninas.

Diferentemente de muitas doenças neurológicas, o TDAH conta apenas com um questionário de 18 perguntas recomendado pela Associação Americana de Psiquiatria para ser diagnosticado. Para saber se a criança tem TDAH é preciso que os pais fiquem atentos aos seguintes pontos: se seu filho está atrapalhando a aula, se vai mal na escola, se sempre desafia ou enfrenta mais velhos e autoridades, se é uma criança difícil de lidar.

Nos adultos, pode haver dificuldade de concentração em palestras, aulas ou leitura, desatenção, relutância em iniciar tarefas que exigem longo esforço mental, problemas com organização, planejamento ou mesmo memória a curto prazo (marcada pela perda ou esquecimento de objetos, nomes, prazos, datas). Além disso, pode vir associado a outras doenças como depressão, transtorno de ansiedade ou distúrbio alimentar.

Uma vez confirmada a existência da doença, no entanto, é importante recorrer a um tratamento multidisciplinar, assessorado por médicos, psicoterapia, orientação aos pais e professores. Quando há necessidade do uso de medicamento — em geral a ritalina —, este deve ser prescrito com bastante critério.

Quando mal administrado, o remédio pode causar alucinação, depressão, convulsão, insônia, confusão mental, levar à perda de peso e atrapalhar o crescimento. A própria bula do remédio indica que ele não deve ser utilizado em crianças menores de seis anos.





Fonte: Do R7

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