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Cidades/Geral
Quarta - 17 de Maio de 2017 às 11:01
Por: Lazaro Thor Borges/Olhar Direto

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Leonardo Santtana/Assessoria

É pelo polêmico Power Point, programa que ganhou protagonismo na Lava Jato, que o advogado e professor Gustavo Badaró apresenta a sua tese a centenas de estudantes e profissionais do Direito: a delação premiada, segundo ele, está substituindo o nosso modelo processual penal previsto na Constituição. "O modelo é crime, processo, pena. Para eu chegar a pena concreta eu preciso passar pelo processo. Este é o modelo de processo penal que nós temos ou tínhamos até a delação premiada. Mas o que nós temos no modelo de delação é pena sem instrução, pena sem processo e pena sem juiz", afirmou o especialista durante o III Congresso de Ciências Criminais, realizadona última sexta-feira (13).

Badaró defende que os inúmeros acordos entre o Ministério Público e diversos políticos, funcionários públicos e empresários investigados em esquemas de corrupção tem provocado algumas arbitrariedade que precisam ser corrigidas e esclarecidas pela Legislação. Para ele a delação premiada no Brasil não tem funcionado como um instituto e sim como um submodelo processual, que vem substituindo a maneira como se trabalhava anteriormente.

"O que se fez no último acordo da Odebrecht, por exemplo, foram pessoas que nem se quer estavam sendo investigadas aceitarem a pena e, por um acordo, começaram a cumprir. Tudo sem inquérito, sem denúncia, sem processo e sem juiz", denunciou o criminalista, considerado um dos mais inquestionáveis nomes do Direito Penal brasileiro. Gustavo Badaró foi um dos principais convidados do Instituto Mato Grossense de Estudos Jurídicos (IMEJ) para o evento.

Logo no começo de sua palestra, a página do jornal Folha de São Paulo na internet surgiu na tela do projetor. "Notem que todas as notícias dessa página, que é de hoje, falam ou tem alguma relação com o instituto da delação premiada.", lembrou. Badaró argumenta que o púlpito deste submodelo não é somente midiático, mas também linguístico e social. Grande parte do apelo da delação, conforme ele, vem da maneira que se tem diferenciado o termo 'evidência' de 'prova'.

"Vocês me perguntam: 'Mas como nós aceitamos isso?' É que há um sentido de evidência na nossa língua pouco diferenciado do sentido de 'prova'. Evidência é aquilo que é claro, inconteste, óbvio. E o que é claro e óbvio não precisa de prova. É tão claro, tão evidente, que substitui a prova, que a crença substitui a demonstração. A palavra do delator é uma evidência. Então quando se tem uma evidência não se espera o processo para punir. E a sociedade não espera o processo, não quer mais nada porque está é uma sociedade hiperacelerada, nós queremos soluções rápidas."

O papel do inquisidor

E o problema não para por aí, alerta o professo. A alegada extinção do processo legal tem causado uma mudança brusca no papel de inquisidor, uma vez que o poder para determinar a pena em um processo que envolve a delação premiada passa do juiz par ao Ministério Público, que dita as regras do acordo com o delator e, por conseguinte, a pena a ser cumprida.

"O problema da delação premiada é simplesmente que eles mudaram o inquisidor. As pessoas que firmam acordo são apenadas pelo Ministério Público, elas assinaram e o juiz simplesmente homologou a voluntariedade e legalidade do acordo, e quem estabeleceu foi a pena foi o Ministério Público".

Desigualdade

Não é à toa que os versos de Paulinho da Viola sentenciam "Em Mangueira não existe delator". O instituto da delação, segundo Badaró, funciona de maneira diferente para os que estão do outro lado do muro. Para ele a experiência brasileira tem demonstrado uma sensação recente de injustiça não só pela fragilidade das penas aplicadas aos delatores, como também pela diferença contínua com que Justiça tem tratado àqueles que estão não só a margem da lei, mas também a margem do Estado.

"O presidente de uma subsidiária da Petrobrás devolve R$ 100 milhões e volta para casa de tornozeleira tranquilamente, mas vai ver lá o pobre que roubou alguém numa motocicleta o que acontece se ele decide fazer delação e diz 'Então tá bom, agora posso lá, voltar para casa?' Não pode, vão dizer 'Quê isso meu amigo, tem que seguir o processo penal'".

Mas, para o criminalista, não demora até que os efeitos de uma mudança tão brusca no devido processo legal chegue até os mais pobres e desfavorecidos. O problema é que o que se tem visto até aqui, analisa o professor, é que esses efeitos podem ser ainda mais negativos aos mais pobres, uma vez que o devido processo era o direito que se buscava conquistar.

"O nosso modelo estava funcionando? Não estava, e precisava de ajustes. Mas o nosso modelo era o que a nossa Constituição prometia: liberdade como regra, direito ao contraditório, ampla defesa. E o que é que a delação colocou no seu lugar como submodelo? A regra virou exceção. A regra é prisão cautelar. Liberdade virou medida cautelar. O contraditório e a ampla defesa foram substituídos pela confissão. E o que era o juiz imparcial, agora foi substituído pelos irmãos siameses: a força tarefa e o juiz super homem", explicou ele, já quase no fim da palestra.

Inimigo íntimo

Se não pode com o inimigo, contenha-o. Esse é o lema de Gustavo Badaró para evitar que o instituto da delação premiada se transforme em um modelo ou em um submodelo. Para ele, é urge criar mecanismos que evitem que o trabalho e o desempenho dos operadores de direitos sejam influenciados por esse mecanismo regularizado só agora recentemente pela Lei 12.850/2013. "Eu não estou dizendo que toda delação é uma sistema inquisitório, que a delação não deve existir. Não deve funcionar. O que eu estou dizendo é que a delação é algo que veio para ficar, mas ela é necessária para certos tipos de crimes muito específicos. A delação não pode ser um substituto eficientista das investigações. É preciso que o investigador investigue, o Ministério Público denuncie, que o juiz produza provas e que o advogado defenda e não entregue o seu cliente para a delação premiada. Há um enorme perigo em que a delação se alastre e é ingênuo quem acha que pode conter a delação premiada, ela deve existir, mas é preciso estabelecer limites. O que não se pode é deixar que isso se transformar em um novo modelo.", finalizou.





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