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Domingo - 23 de Dezembro de 2018 às 08:33
Por: Bianca Fujimori/Mìdia News

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Rafael Azeredo
Artista Lucina continua fazendo shows independentes pelo Brasil
Artista Lucina continua fazendo shows independentes pelo Brasil

Entre batuques de tambor, fortes acordes de violão e uma voz poderosa, a cantora e compositora Lucina ostenta 50 anos de carreira musical. Mas apesar de nascida em Cuiabá - e de ser neta de Estevão de Medonça e sobrinha de Rubens de Mendonça -, ela é praticamente uma desconhecida na cidade.

Lucina Helena Carvalho e Silva, de 68 anos, nasceu na Capital, mas deixou a cidade ainda bebê. Ela fez fama ao formar a dupla Luli e Lucina, em meados dos anos 70.

A dupla marcou época pela irreverência e quebra de padrão musical que marcava a época.

É também uma importante compostitora, tendo sido gravada por nomes como Ney Matogrosso e Zélia Duncan, Olívia Byington e Rolando Boldrin.

A artista foi criada em Belém (PA), terra de seu pai. Entretanto, toda a família do lado de sua mãe é cuiabana de “chapa e cruz”.

“Minha mãe ficou aí [Cuiabá] até se casar, com 20 e poucos anos. Meu pai era de Belém. Eles se conheceram em Cuiabá”, conta a artista em entrevista concedida ao MidiaNews por telefone.

Mesmo tendo se mudado ainda bebê, Lucina conta que sempre voltava para a terra natal para visitar sua avó, por quem tinha um grande apego. Segundo ela, a avó teve um papel fundamental na sua construção como artista.

“A minha avó foi uma influência fortíssima. Ela tocava piano, acordeom, pintava, dava aula de tudo em Cuiabá. É uma pessoa por quem eu tinha um carinho muito grande e me influenciou bastante”.

No entanto, ela diz não ter mais vínculo familiar com os parentes e isso a impediu de manter uma relação mais forte com Cuiabá.

“Só tenho primos distantes, ninguém que seja realmente muito próximo. Todo mundo já faleceu. São outras gerações”, lamenta a compositora.

A última visita da cantora a Mato Grosso foi em 2012, como parte de um projeto de uma série de shows ao longo do Rio Cuiabá e Paraguai. Em uma viagem de 20 dias pelo Pantanal, Lucina se apresentou em diversas cidades ribeirinhas.

Apesar das raízes e da importância para a MPB, seu talento não é reconhecido na Capital. Lucina acredita que isso acontece por ela não ser vinculada a nenhuma gravadora.

Ela explica que, assim como em outras cidades do Brasil, o público ouvinte de Cuiabá é gerenciado por uma mídia.

“Como eu sou, sempre fui, uma artista alternativa, a minha mídia é muito pequena. As pessoas precisam ter uma ligação especial para chegar à minha música”, afirma.

luli e lucina

Luli e Lucina nos anos 70, quando estouraram na música brasileira

Timbres e temperos

Ainda muito nova, com apenas 16 anos, Lucina se tornou profissional. Ela cantava em um grupo da escola, mas todo o processo foi natural. Aos 14, a cantora se apaixonou por música e passou a aprender a tocar violão.

“Um dia eu descobri que eu sabia fazer música. Tive uma trajetória muito natural, não fui aquela criança que ficava sonhando em ser artista”, relembra a cantora, que se mudou de Belém para o Rio de Janeiro ainda na década de 60.

Após ganhar um concurso, seu grupo musical passou a fazer sucesso. Assim os artistas fizeram diversas viagens pelo Brasil e muito dinheiro.

Ao voltar dos shows, Lucina diz que começou a se sentir perdida e decidiu parar de cantar e focar na faculdade.

Certa vez, ainda no início da década de 70 - já morando no Rio de Janeiro -, participou de um projeto acadêmico em que ficou responsável por entrevistar compositores de todos os tipos.

“Me levaram na casa da Luli. Fui entrevistá-la para o projeto. E em um mês a gente já tinha 20 músicas. Deu um ataque criativo”, relembra Lucina.

Assim foi formada uma das mais influentes duplas da MPB em meados dos anos 70. Luli e Lucina gravaram sete álbuns e possuem mais de 800 composições.

No tempo em que estiveram juntas, viajaram por todo o País e participaram de eventos no exterior. Elas foram consideradas ícones da produção independente no Brasil.

“Eu e a Luli fomos as primeiras mulheres a gravar independente no Brasil. A gente começou um movimento muito forte de liberação dos artistas em relação às gravadoras”, afirma.

Outra característica musical das duas é a habilidade nos tambores, tanto que passaram a produzir elas próprias o instrumento. As performances das duas no palco era algo hipnotizante de se ver, segundo os críticos.

Relacionamento a três

A parceria durou 25 anos, o que resultou num documentário dirigido pelo cineasta Rafael Saar. O longa “Yorimatã”, espécie de palavra talismã, foi lançado há três anos e chegou a ganhar prêmios em festivais.

No documentário, as cantoras são vistas em uma fazenda falando sobre música e amor. Suas letras falam sobre natureza, tema que conduz o modo de pensar da dupla libertária e pacífica. A história de Luli e Lucina é a constatação concreta da prática e vivência do amor livre.

Quando conheceu Lucina, Luli era casada com o fotógrafo Luiz Fernando da Fonseca. A identificação musical das duas foi tão grande que acabou se estendendo também para a vida pessoal. E eles acabaram iniciando um relacionamento a três, em plena ditadura militar.

“A gente mudou para o mato. A gente foi para um lugar pertinho de Mangaratiba [RJ] que não tinha nem cidade. Ali era a gente, o morro e o mar. Tudo na nossa frente. E era uma vida hipponga”, diz Lucina sobre o começo da vida do trisal.

O LP "Luli & Lucinha" (1978) foi uma das primeiras produções fonográficas independentes no Brasil. O disco podia ser comprado pelo Correio. A turnê de lançamento foi feita em uma Kombi adaptada, com cenário e luz de Luiz Fernando.

Lucina conta que chegou a receber diversas propostas de entrevista sobre a tribo, na época, mas todas foram recusadas. Longe do conservadorismo, os três puderam criar seus filhos e preservar as crianças de situações “estranhas”.

“Nossos filhos são irmãos, somos uma tribo e pronto. Ninguém tem nada a ver com isso. Isso apareceu claramente no filme”.

Durante sete anos, o trisal morou no sítio até se mudar para São Paulo, onde Luli e Lucina foram lançadas no Teatro Lira Paulistana – reduto modernista experimental.

O filme mescla as vidas privada e pública destas duas mulheres, explicando como sua ideologia não militante pode constituir um gesto político. Segundo a cantora, até hoje a noção de uma família composta por duas mulheres e um homem incomoda.

“Acho mais fácil ter preconceito a partir de agora, onde a gente está entrando em um fundamentalismo. Eu fiz a minha vida, mas não fiz baseada nisso”, revela a artista.

Do trisal, hoje resta apenas Lucina. Luís Fernando morreu de câncer em 1990. Luli - autora de sucessos como "O Vira", música gravada pelos Secos & Molhados - foi-se em setembro deste ano, em decorrência de um quadro crônico de asma agravado por uma pneumonia.

Acervo Pessoal

lucina cantora

Aos 50 anos de carreira, Lucina tem sete álbuns solo

Carreira sólida

O último projeto de Lucina se chama "Canto de Árvore", um disco recém-lançado e que recebeu críticas positivas.

“É o trabalho que mais me deu visibilidade até agora. Fiz um trabalho dizendo aquilo que eu estava querendo dizer aqui e agora”.

“É um CD muito contemporâneo no sentido de estar muito atualizado com tudo que a gente está vivendo e tem uma sonoridade bastante original”.

Com esse novo trabalho, Lucina tem feito shows com a banda pelo País, tudo de forma independente. Cuiabá, porém, ainda não está no roteiro.

Veja uma apresentação da artista:





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