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Repórter News - reporternews.com.br
Cidades/Geral
Segunda - 29 de Julho de 2019 às 10:07
Por: Fabiana Mendes/Olhar Direto

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Depois que o Instagram resolveu parar de exibir o número de curtidas nas fotos, muito se falou sobre a rede social considerada a mais tóxica à saúde mental, conforme pesquisa realizada pela instituição de saúde pública do Reino Unido, Royal Society for Public Health, em parceria com o Movimento de Saúde Jovem.


Para o psicólogo clínico, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais e pós-doutorado pela University of California at Irvine, Henrique de Oliveira Lee, a curtida funciona como uma recompensa que pode levar o usuário a extremos de exposição.

A ocultação do número de curtidas ocorreu na semana passada. Com isso, somente os próprios usuários poderão saber quem curtiu sua foto. A medida faz parte de um experimento que está sendo realizado em diversos países, entre estes o Brasil. De acordo com comunicado, a decisão foi baseada na preocupação crescente da contagem de curtidas estar ligada de forma negativa à saúde mental dos usuários.



“Redes como o Instagram abrigam perfis com finalidade social e comercial. A métrica dos "likes" acaba se tornando um importante parâmetro para avaliar o potencial comercial de certos produtos, mas os problemas começam quando transpomos esses parâmetros das relações comerciais para as relações afetivas e relacionamentos em geral”, explica o psicólogo ao Olhar Direto.



O professor pontua que as métricas não refletem relações reais, pois existem fenômenos que intervêm neste processo, como a compra de curtidas e até mesmo seguidores. Outro fato seria as fotográficas constituídas a partir de recortes e edições, o que especialistas em redes sociais chamam de realidade aumentada.



“O like atua como uma espécie de recompensa que pode direcionar o usuário para comportamentos cada vez mais extremos de exposição. Além disso, a métrica atua como uma espécie de objetivação quantitativa de reconhecimento, processo no qual equacionamos e confundimos a quantidade de likes com aspectos que são por natureza subjetivos e qualitativos, tais como reconhecimento e afeto”.

Especialistas dizem também que passar tempo demais na internet pode estar relacionado ao aumento da ansiedade e da depressão. Até o ano de 2016, o feed do Instagram funcionava em ordem cronológica. Depois disso, passou a levar em conta a temporalidade, engajamento e relacionamento. A rede social seleciona o conteúdo que considera mais relevante para o usuário.

O psicólogo explica que as redes sociais foram desenhadas de modo a sempre incitar o nosso engajamento e nossa permanência nelas. “Mas de que modo somos fisgados para permanecer mais tempo nas redes? Através do estabelecimento de iscas afetivas. É muito comum a pessoa passar mais tempo na rede do que o planejado, porque um click leva a outro. O tempo de permanência aumenta também tempo de exposição a diversas informações, incluindo propaganda”, diz.

Henrique de Oliveira ressalta que as informações das redes sociais continuam produzindo seus efeitos na mente, mesmo depois que o usuário deixa de usá-la. Como exemplo, citou quando um paciente se sentiu frustrado ao ver a foto de uma família em férias e lembrou do que teria que enfrentar para proporcionar o mesmo aos seus entes queridos.



“Em um primeiro momento essa pessoa reagiu com o like e pensou: "olha que legal, que família feliz, que crianças lindas". No entanto, os ecos daquela imagem continuam a produzir efeitos. Quando essa mesma pessoa olhou para a sua vida e se deparou com as dificuldades concretas de proporcionar férias à sua própria família, ela se sentiu culpada e ansiosa por não poder proporcionar isso. Esse sentimento não pode ser evitado por mais que essa pessoa dissesse para si mesma que não devemos nos comparar as outras pessoas. Ou seja, é importante salientar que essas imagens afetam nosso inconsciente e produzem efeitos para além daqueles que conseguimos reconhecer imediatamente”.



Segundo comunicado oficial do Instagram, o teste da retirada de curtida também é uma tentativa de diminuir o clima de competição entre os seguidores e colaborar para que as pessoas foquem mais em contar suas histórias e não esperar por curtidas.



Instagram mudou e acaba com likes no feed em função experimental — Foto: Divulgação/Instagram
Foto que não exibe o número de curtidas. Crédito: Instagram - Divulgação



Usuários poderiam desenvolver expectativas irreais com uso excessivo de redes sociais

O Instagram é uma rede social focada no compartilhamento de fotos. Recentemente foi adicionada também a função de Stories, semelhante ao Snapachat. São postagens rápidas que saem do ar depois de 24 horas de sua publicação.

O psicólogo pontua que esse pode ser o desejo das redes sociais, que todos os usuários postem sua vida real ao vivo, o tempo todo. Em alguma medida a duplicação da vida dentro do ambiente virtual favorece o monitoramento do comportamento, como aonde vamos, o que comemos e o que vestimos

“Há neste fenômeno algo importante que é a ressignificação do espaço público e privado. Muitas vezes a exposição precipitada, pode ter consequências desastrosas. Na nossa vida mental necessitamos de privacidade para elaboração de certos afetos, sentimentos e pensamentos. Por exemplo: algum conteúdo postado pode causar arrependimento no usuário quando ele se encontra num estado afetivo diferente daquele que o dominava no momento da postagem. Se tivesse tido o tempo e o espaço de elaborar tais afetos, talvez não teria feito a postagem. Além disso, de certa maneira parece que esse pode ser o desejo das redes sociais, que todos os usuários postem sua vida real ao vivo, o tempo todo. Em alguma medida a duplicação da vida dentro do ambiente virtual favorece o monitoramento do comportamento, aonde vamos, o que comemos, o que vestimos, enfim, monitora nosso comportamento de consumidores”, afirma.

“Mas certamente outros tipos de monitoramento mais prejudiciais podem ser explorados através desta ferramenta. Existe um episódio do seriado Black Mirror no qual uma distopia futurista descreve um mundo em que todos os sujeitos são avaliados através de aplicativos que fornece uma boa discussão sobre o assunto. Apesar de ser uma ficção, nunca esteve tão perto da nossa realidade”,

Para o professor, os usuários podem desenvolver expectativas irreais, pois a exposição contínua a certos clichês de imagens podem, por exemplo, estabelecer inconscientemente padrões corporais de beleza.

“Todos os usuários poderiam desenvolver expectativas irreais. Essas imagens são assimiladas de modo consciente e inconsciente. A exposição contínua a certos clichês de imagens podem, por exemplo, estabelecer inconscientemente padrões corporais de beleza. Isso não é novidade e antes do Instagram era feito por revistas de modo e outros veículos de comunicação. É bom lembrar ainda que as imagens desses corpos podem ser frutos de intervenção de aplicativos de edição de imagens que alteram as imagens corporais de modo a adequá-las a certos padrões de beleza. Os jovens estão particularmente mais vulneráveis à essas questões”.



Olhar imagens de corpos inalcançáveis e perceber que aquele é um padrão considerado bonito para a maioria das pessoas, pode gerar frustração e baixa autoestima. “Esses elementos se relacionam a um ciclo vicioso. Quanto mais exposição a esses clichês imagéticos, maior o desejo de atingir esses padrões irreais e maior a ansiedade causada pela impossibilidade de alcançá-los”, acrescenta.



Perguntando sobre uma recomendação para diminuir a ansiedade causada pela necessidade de exposição nas redes, o professor disse que primeiramente é necessário se questionar: “Que tipo de estilo de vida tem criado nos sujeitos o desejo de se expor nas redes sociais?”



“Ninguém acorda um dia com o desejo de se expor nas redes sociais. Esse desejo é fruto de uma aprendizagem social continua ao longo da vida. Daí o fato de que os jovens que cresceram num mundo em que as redes sociais já existiram se tornem particularmente mais vulneráveis. Não existe uma solução única, mas um bom caminho seria o estabelecimento de espaços seguros para a circulação da palavra. O estreitamento dos laços comunitários parece nos proteger desses efeitos. Até mesmo a velha e boa psicoterapia poderia ser de muita valia para pessoas que desejam entender o que as move em sua ânsia de reconhecimento nas redes sociais”,finaliza.





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