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Cidades/Geral
Quarta - 07 de Abril de 2021 às 13:05
Por: Eduardo Gomes/Diário de Cuiabá

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Arquivo Público
11 de outubro de 1977: o presidente-general Ernesto Geisel assina o documento decretando a emancipação político-administrativa do até então Estado de Mato Grosso
11 de outubro de 1977: o presidente-general Ernesto Geisel assina o documento decretando a emancipação político-administrativa do até então Estado de Mato Grosso

Desde o começo da década de 1970, Mato Grosso recebia levas e levas de sonhadores em busca do amanhã, e o Estado não conseguia atender às demandas nas regiões que, de uma hora para outra, saíam do vazio demográfico, na medida em que chegavam os pioneiros.

Essa situação se agravou a partir de 1980, quando a soja entrou em escala empresarial e a divisão territorial que criou Mato Grosso do Sul, em 11 de outubro de 1977, esvaziou os quadros dos servidores públicos estaduais em Cuiabá.

A divisão foi um baque em muitos aspectos e atingiu diretamente Cuiabá porque ao servidor se concedia o direito de permanecer no Estado remanescente ou optar pela nova unidade federativa, de cuja base territorial era boa parte do funcionalismo, em razão de sua força política.

Com o esvaziamento, cuiabanos preencheram os cargos vagos – o que rendeu à cidade a pecha de "paraíso de funcionários".

Ocorre que, fora da Capital, nas pequenas e poucas cidades existentes, não havia quadros em número necessário para tanto.

À Capital, com 212.984 habitantes em 1980, recorriam os municípios com prefeituras e câmara instaladas, os que estavam em formação e as vilas espalhadas por todas as regiões.

À época, a malária, a leishmaniose, a tuberculose e a hanseníase tinham índices hiperendêmicos, e fora de Cuiabá havia poucos hospitais, a exemplo do São Luiz, em Cáceres; Santa Casa, em Rondonópolis; e Santa Maria Bertila, em Guiratinga.

O quê da capacidade de resposta em Saúde Pública na Capital era a falta de médicos e leitos, em razão do crescimento da população cuiabana, que dobrou em uma década, e da demanda do interior e da fronteira.

À época, não havia argumento plausível para um médico trocar o eixo Rio-São Paulo por Cuiabá, à exceção do aspecto humanitário.

Arquivo

Telemat

Sem telefonia interurbana fora de Cuiabá, moradores vinham à Capital em busca do posto telefônico da Telemat

Porém, surgiu uma solução caseira: o curso de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que, em 1986, formou 18 médicos e não parou jamais de lança-los à atividade.

Esses profissionais, durante o curso, contavam com o Hospital Universitário Júlio Müller, que, em 1982, foi transferido do Governo Estadual para a UFMT, numa canetada do então governador Frederico Campos.

Faltava praticamente tudo nos municípios fora de Cuiabá, que era a porta na qual batiam em busca de matrículas escolares, universidade, saúde e prestação de serviço público.

Quem precisasse de atendimento enfrentava estrada ou empoeirada ou com atoleiros; a malha rodoviária estadual pavimentada, fora do aglomerado urbano da Capital, atendia somente Chapada dos Guimarães (MT-251) e Guiratinga (MT-270).

Mesmo com tratamento federativo diferenciado por ser Capital de um Estado recém-dividido, Cuiabá era penalizada na esfera da administração municipal, em razão do atendimento que prestava aos moradores de Várzea Grande, Nossa Senhora do Livramento, Poconé, Acorizal, Chapada dos Guimarães, Santo Antônio de Leverger, Barão de Melgaço, Rosário Oeste, Nobres, Barra do Bugres, Tangará da Serra, Diamantino, Alto Paraguai, Nortelândia, Arenápolis, Porto dos Gaúchos, Aripuanã, São Félix do Araguaia, Luciara, Barra do Garças, General Carneiro, Torixoréu, Ponte Branca, Araguainha, Alto Araguaia, Alto Garças, Itiquira, Pedra Preta, Rondonópolis, Jaciara, Dom Aquino, Poxoréu, Guiratinga, Tesouro, Cáceres e Vila Bela da Santíssima Trindade, que, no final da década de 1970, eram as cidades com prefeitura e câmara municipal instaladas.

A década de 1970 foi de desenvolvimento, mas muito difícil.

As constantes oscilações e queda de energia elétrica, que era gerada por motores diesel estacionários da estatal Cemat, botavam em risco operações cirúrgicas, dificultava a atividade industrial e afetava, inclusiva, a Imprensa.

Na oficina do DIÁRIO DE CUIABÁ - na Avenida XV de Novembro, no Porto - Diário, que circula ininterruptamente desde sua fundação pelo jornalista cuiabano João Alves de Oliveira, em 24 de dezembro de 1968, a máquina linotipo dependia de chumbo derretido em caldeira para moldar as linhas com os caracteres que formariam os textos da edição.

Quando havia queda de energia, as caldeiras esfriavam e o chumbo que estava derretido se solidificava novamente – nesse vaivém, a impressão do jornal varava a madrugada.

Mesmo enfrentando problemas com a energia e, até então, sem nenhum tipo de tratamento de esgoto, em 1973, Cuiabá presenciou o início da obra do Estádio Governador José Fragelli, o Verdão, que seria demolido em 2010 para a construção da Arena Pantanal.

Com capacidade para 55 mil torcedores, o Verdão era algo faraônico para uma cidade com 151 mil habitantes.

Construído com financiamento pelo Governo Federal, graças à alienação de 2 milhões de hectares na Amazônia Mato-grossense, o Verdão teve duas inaugurações: em 12 de março de 1975, oficialmente, para celebrar parte de sua conclusão, mas, na verdade, para dar satisfação ao calendário da alienação, que estipulava prazo para a entrega; e em 8 de abril de 1976, no aniversário da cidade.

No começo da década de 1970, a economia cuiabana era espelho da realidade econômica mato-grossense: comércio varejista, pecuária extensiva e garimpo de ouro e diamante.

Porém, alguns visionários apostavam no crescimento e na industrialização da cidade.

Foi assim que Archimedes Pereira Lima obteve financiamento, na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), para transformar a sua tímida Companhia Cervejaria Cuiabana, numa das fabricantes da famosa Brahma.

Em dezembro de 1973, cuiabanos festejaram a virada do ano tomando a conterrânea Brahma.

Em 1974 e 1995, a cidade se assustou com enchentes do rio que lhe empresta o nome e que invadiu bairros ribeirinhos, desalojando famílias e causando prejuízos.

O nível atingido pelas águas mostrou que era preciso disciplinar o uso e a ocupação do solo nas áreas ribeirinhas.

Em 1973, a cultura da soja começou no município de Rondonópolis (212 km ao Sul de Cuiabá).

Estranha em Mato Grosso, a leguminosa dependia de assistência técnica para seus tratos culturais, e nessa área despontou o agrônomo e pesquisador Hortêncio Paro, residente em Cuiabá.

Na medida em que a cidade crescia, seus costumes mudavam. O fogão a lenha cedeu espaço ao gás.

O empresário Ueze Elias Zahran, líder da Copagaz, soube bem aproveitar sua TV Centro América (Globo), que transmitia desde 1967 em Cuiabá, para popularizar seu produto: o botijão de gás de 13 kg.

Para tanto, criou um jingle que era cantado e assoviado por todos na Capital: “Em qualquer lugar do espaço ou por esse mundaréu / Quando a Copagaz chega é aquele fogaréu”.

Antes do terminal rodoviário Engenheiro Cássio Veiga de Sá, inaugurado em 1977 pelo governador Garcia Neto, Cuiabá tinha uma acanhada rodoviária na Rua Miranda Reis.

Empoeirados ônibus chegavam abarrotados com garimpeiros e seus picuás com diamantes, e funcionários de lojas de compra de diamante e ouro os recebiam, e os levavam aos compradores no Centro Histórico.

Sem telefonia interurbana fora de Cuiabá, moradores vinham à Capital em busca do posto telefônico da Telemat.

Quem não conhecia a cidade perguntava a algum pedestre: “Onde fica a Telemat?”.

Arquivo Público

Archimedes Lima

Archimedes Pereira Lima fundou e presidiu a Companhia Cervejaria Cuiabana, em Cuiabá, no começo da década de 70

A resposta invariável mostrava o lado bucólico do lugar, “Defronte o cartório do Luís Philippe [Pereira Leite]”.

As cidades que brotavam na Floresta Amazônica e no cerrado, motivadas pela política de ocupação do vazio demográfico, dependiam de Cuiabá para tudo.

Uma jovem professora se sentiu instigada a participar de um inusitado concurso, porque o vencedor ou vencedora entraria para a história.

Foi assim que nasceu o nome Alta Floresta.

Professora de Matemática no Colégio Sagrado Coração de Jesus, Nelza Luci Asvolinsque Faria, agora cartorária no 7° Ofício, leu um anúncio no DIÁRIO DE CUIABÁ sobre um concurso para escolha do nome de uma cidade.

Nelza prestou atenção ao indicativo da localização do projeto, bem no alto do mapa, em meio à mata densa.

Sem pensar duas vezes, foi à Rádio A Voz D’Oeste e depositou numa urna sua sugestão.

Daí para frente, caberia aos ouvintes aprovarem ou não o nome. Nelza sugeriu Alta Floresta e venceu o concurso.

Terra de mulheres fortes a exemplo de Dunga Rodrigues, Maria de Arruda Müller, Zulmira D’Andrade Canavarros e Ana Maria do Couto (May), Cuiabá também se caracteriza pela beleza feminina.

Em 1981, organizadores do concurso Miss Mato Grosso não conseguiram promovê-lo, mas o governador Frederico Campos tratou de assegurar a participação de sua terra na disputa pelo cetro nacional da beleza e, por decreto, nomeou Fernanda Frandsen miss.

O governante estava correto, pois Frandsen foi uma das semifinalistas do Miss Brasil.

Nem mesmo o longo período de isolamento em que permaneceu Cuiabá, por falta de acesso rodoviário, criou obstáculo bairrista aos que a procurassem, independentemente de suas origens.

Desde o final do Século XIX, libaneses e outros povos árabes a descobriram graças aos barcos do patrício Hide Alfredo Scaff, que tinha linha de passageiros entre Cuiabá e Montevidéu e também a outras embarcações que trouxeram os Affi, Scaff, Maluf, Bussiki, Auad, Gatass, Feguri, Nadaf, Haddad, Malouf, Mutran, Dib e outros.

Hábeis comerciantes, os "turcos", como eram chamados, dominaram o comércio varejista, lojas e hotelaria cuiabanos, se tornando a maior colônia de imigrantes em Mato Grosso.

Porém, entre 1955 e 1956, japoneses e seus descendentes, que tentaram colonizar a Gleba Rio Ferro, numa área então pertencente ao município de Chapada dos Guimarães, deixaram aquele projeto e bateram às portas da Capital em busca de oportunidade.

Foram tantos os oriundos do Sol Nascente, que sua colônia rivalizava em número com os árabes.

Os Sano, Otiai, Mizobe, Ninomiya, Okamura, Ueki, Kanashiro, Yamada, Ota, Tanaka, Shinohara e dezenas de outros pares de olhos puxados deixaram suas digitais na argamassa da construção da sociedade e da economia cuiabanas.

E assim, cuiabanos de berço ou "de tchapa e cruz", árabes, japoneses e, mais recentemente, a colônia sulista da soja, constituíram uma população com pronúncia cantarolada, quase um dialeto, que, inconscientemente, perde parte de sua tradição, menos o amor à terra.

Essa nova composição social bota na mesma cozinha o cuiabano de tchapa e cruz tomando guaraná ralado ao lado do neto miscigenado.

Esse netinho prefere o chimarrão que o outro vovô, esse gaúcho, e o pai, paranaense, sorvem em goladas com a cuia correndo de mão em mão tal qual as prendas que deslizam no assoalho encerado do Centro de Tradições Gaúchas (CTG), ao som de uma boa vanera arrancada de uma acordeon ou a leveza da dança descalço do cadenciado Siriri, que pode bem ser definida numa frase: "Agora o quequeesse, xô mano!".





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