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Quarta - 14 de Abril de 2021 às 10:02
Por: Da Assessoria

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A equipe de pesquisadores das cinco instituiçõesA equipe de pesquisadores das cinco instituições

Pesquisadores de cinco universidades públicas brasileiras avaliaram os potenciais impactos que as mudanças climáticas causarão nos próximos 30 anos nas populações tradicionais amazônicas que dependem da floresta como principal forma de alimentação e sustento econômico. De acordo com o estudo publicado em ontem (8) no periódico internacional Biological Conservation, as mudanças climáticas representam uma ameaça às espécies de palmeiras e árvores que são os principais produtos florestais extraídos nas reservas extrativistas (Resex) da Amazônia brasileira. Isso representa um perigo iminente à manutenção do modo de vida das populações tradicionais e ao futuro da biodiversidade na Amazônia. Entre os produtos que correm risco de desaparecer ou diminuir a produção nas Resex brasileiras estão a castanha-do-brasil (também conhecida como castanha-do-pará), o açaí, a andiroba, a copaíba, a seringueira, o cacau e o cupuaçu.

As reservas extrativistas ocupam atualmente cerca de 150 mil quilômetros quadrados dentro de áreas da Amazônia Legal. A subsistência das famílias que vivem nas Resex baseia-se principalmente no extrativismo e, em pequena escala, na agricultura e pecuária de subsistência, com o objetivo de “proteger os meios de subsistência e as culturas dessas populações e garantir o uso sustentável dos recursos naturais”, segundo o Artigo 18 da Lei Nº 9.985 de 2000.

Neste estudo foram avaliadas 18 espécies de árvores e palmeiras utilizadas para consumo próprio ou venda em 56 Resex da Amazônia Brasileira. Para essas 18 espécies, foram gerados modelos computacionais que avaliaram fatores climáticos históricos dos locais onde essas plantas vivem (como temperatura, umidade, tipo de solo dentre outras) e realizadas projeções para o ano de 2050 considerando as mudanças climáticas previstas pelos cientistas baseadas nas taxas de emissão de CO². Os autores também fizeram o levantamento do número de pessoas e famílias envolvidas com as atividades de extrativismo vegetal realizadas nessas Resex e quais espécies eram utilizadas por elas

Os resultados da pesquisa indicam que, nos próximos 30 anos, as regiões climaticamente adequadas para o extrativismo desses produtos florestais terão um declínio de até 91% de sua área total. As áreas mais ameaçadas são o sul e o sudoeste da Amazônia, regiões que atualmente já sofrem com queimadas, mineração e desmatamentos ilegais, como o estado de Rondônia, o sul do estado do Pará e o norte do Mato Grosso. De acordo com a autora que liderou a pesquisa, Jôine Cariele Evangelista-Vale, a verdadeira extensão dos efeitos das mudanças climáticas na Amazônia ainda é subestimada. "Os cientistas já alertam há décadas sobre a perda acelerada da biodiversidade, e suas consequências negativas. Devido às ameaças crescentes e contínuas das mudanças climáticas, as estimativas dos impactos sobre as populações tradicionais nas reservas extrativistas ainda não foram bem compreendidas", explica Jôine.

Atualmente cursando doutorado na Universidade de Brasília (UnB), Jôine deu início ao desenvolvimento da pesquisa quando aluna do mestrado do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Agroecossistemas Amazônicos (PPGBioAgro) da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat).

De acordo com o estudo recém-publicado, as alterações climáticas previstas podem, em até 30 anos, reduzir a distribuição natural de 11 espécies nativas, e nove podem até mesmo desaparecer das reservas extrativistas onde elas são exploradas. Isso porque as mudanças climáticas interferem, por exemplo, na temperatura e distribuição das chuvas fazendo com que as condições climáticas necessárias para a ocorrência dessas espécies nas Resex deixem de existir. Ainda de acordo com os resultados encontrados na pesquisa, 21 resex podem perder uma ou mais espécies exploradas, enquanto quatro Resex, todas localizadas no estado de Rondônia, podem perder todas as espécies que são exploradas atualmente.

As maiores perdas podem ocorrer para a castanha-do-brasil, com redução de 25% de sua área original de distribuição, e se tornar totalmente extinta em nove Resex onde atualmente é extraída, afetando diversas famílias que dependem dela para sobreviver. Essa espécie é extraída na maioria das 50 Resex estudadas, comprometendo a renda de aproximadamente 2.239 famílias extrativistas e de 410 pessoas associadas a cooperativas. Somente em 2019 foram cerca de 30 toneladas de castanha-do-brasil produzidas no Norte do País, o que gerou cerca de 23 milhões de dólares. O açaí também corre perigo e pode deixar de ocorrer em cinco Resex, afetando mais de 330 famílias.

O pesquisador e professor da Unemat, Pedro Eisenlohr, orientador do trabalho, aponta que, de acordo com os resultados, nos próximos 30 anos, 21 Resex podem perder a adequação ambiental necessária à sobrevivência de pelo menos uma espécie de árvore extrativista. "Portanto, o Estado brasileiro precisa desenvolver políticas públicas viáveis que mitiguem os impactos que as mudanças climáticas irão causar à biodiversidade como um todo, e também às famílias extrativistas. Demonstramos que famílias extrativistas podem sofrer diretamente os efeitos das mudanças climáticas em seu modo de vida e na segurança financeira e alimentar", informa Pedro.

O estudo alerta que a falta de diagnósticos socioambientais nessas reservas torna difícil prever com mais precisão os impactos sociais e formas de mitigação. Portanto, é urgente identificar locais prioritários para a implementação de políticas de conservação de espécies extrativistas, bem como para a criação de novas Unidades de Conservação. As regiões centrais da Amazônia parecem ser os locais menos afetados pelas alterações climáticas e demandam medidas de proteção. Essa região provavelmente apresenta maior aptidão devido à sua distância das áreas periféricas da Amazônia que são afetadas por pressões antrópicas ligadas à expansão da fronteira agrícola e pecuária, como fragmentação de habitat e incêndios.

As pesquisas científicas sobre a conservação da biodiversidade da Amazônia têm sido negligenciadas recentemente devido a cortes nos gastos com ciência e tecnologia por parte do Governo Brasileiro. Infelizmente, o Brasil não tem sido um modelo de como apoiar políticas públicas de gestão socioambiental. Ainda há muitas lacunas sobre o censo dessas famílias, e o quanto elas dependem desses recursos. Além disso, há muitas falhas na geração de relatórios ambientais para a elaboração de ferramentas de gestão para Unidades de Conservação na Amazônia. Apenas 17 das 56 Resex estudadas possuem planos de manejo ativos, e as informações contidas em outros estudos são frequentemente limitadas.

Se administradas de maneira correta, as Unidades de Conservação de uso sustentável, como as Resex, podem atrair e manter diversas atividades econômicas ao longo do tempo, contribuindo para o crescimento econômico das regiões em que estão localizadas e para a conservação da biodiversidade. Como a conservação da biodiversidade e a prosperidade econômica são dois objetivos importantes e sinérgicos para o desenvolvimento sustentável de uma região, a realização de pesquisas como a deste estudo são essenciais para avaliar a vulnerabilidade das famílias extrativistas aos impactos das alterações climáticas.

Essas descobertas podem ajudar os tomadores de decisão e gestores de reservas a evitar ou diminuir as consequências potenciais das mudanças climáticas para as plantas usadas pelas pessoas que vivem na Amazônia. Os autores apontam que a potencial extinção local de algumas espécies de plantas nas Reex da Amazônia brasileira pode piorar a pobreza, potencialmente levando a um êxodo de povos tradicionais para as áreas urbanas e um aumento nas taxas de desmatamento nessas áreas protegidas no futuro. Assim, os autores sugerem que o governo desenvolva estratégias para mitigar as consequências das mudanças climáticas na Amazônia, atuando de modo eficiente no combate ao desmatamento e às queimadas naquela região, bem como assinando e implementando ações oriundas dos acordos globais de combate à mudança do clima.

Essa pesquisa envolveu a participação de pesquisadores da Unemat e de mais quatro universidades públicas brasileira: UnB, Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Universidade Federal do Oeste do Paraná (Ufopa).

A Unemat colaborou na pesquisa com a participação dos pesquisadores Angele Tatiane Martins Oliveira, Cleide Carnicer, Islandia Silva Pereira, João Carlos Pires Oliveira, Luciene Castuera Oliveira, Marla Weihs, Nilo Leal Sander e Pedro Eisenlohr.

Da UnB participaram os pesquisadores Jôine Cariele Evangelista-Vale e Renan Augusto Miranda Matias. A Ufopa colaborou com os pesquisadores Samuel Gomides e Talita Machado. Da Uenf participou o pesquisador Leandro José Silva. A UFMT colaborou na pesquisa com os pesquisadores Christine Steiner São Bernardo, Lucas Barros-Rosa, Rafael Arruda e Rainiellen Carpanedo.

Para a sua realização, esse estudo contou com bolsas de pós-graduação fornecidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).





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