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Opinião
Domingo - 11 de Abril de 2021 às 08:58
Por: Auremácio Carvalho

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O STF, nossa mais alta Corte de Justiça, em recente decisão, julgou constitucional a atuação dos governos estaduais e locais em impor restrições à realização de cerimônias e cultos religiosos presenciais.

Em outras palavras, não somente podem os governantes locais determinar restrições de número de participantes às cerimônias cultuais, como, até interditar os templos ou locais onde estejam sendo realizadas. Portanto, são atos respaldados pela Carta Magna, assim entende a nossa Corte Suprema.

Um fato que tem se acentuado nos últimos tempos no Brasil e mais fortemente nesse início de século XXI, é a espantosa proliferação de decisões judiciais nos mais corriqueiros fatos da vida comum das pessoas e não apenas por provocações do Congresso Nacional ou outros atores, que se omitem de resolver questões que lhe são próprias, para evitar desgastes junto à opinião pública e remetem o “abacaxi” para o STF descascar.

Assim, questões corriqueiras da vida do cidadão comum, terminam desaguando no caudaloso- e nem sempre límpido- rio ou oceano dos tribunais superiores: “devo me vacinar?; posso educar meu filho? Posso frequentar uma igreja? e outros temas “complexos” da vida, que o bom senso resolveria.

O STF julgou constitucional a atuação dos governos estaduais e locais em impor restrições à realização de cerimônias e cultos religiosos presenciais

Sem contar no grave problema do Congresso Nacional, de como burlar a CF/88 ignorando a proibição de reeleição de membro da mesa do Senado para o mandato imediato ao vencido, no mesmo cargo.

Felizmente, o STF barrou a pretensão. Assim, o volume de feitos a julgar no STF alcança mais de 130 mil ações diversas anuais.A titulo de comparação, a Suprema Corte Americana não ultrapassa 200 casos anuais; pois, lá somente vai a julgamento casos de grande repercussão, e os ministro acatam ou não as demandas. No Brasil, nossos ministros doSTF são, na verdade, máquinas de julgar; cada qual, com 30 mil ou mais processos a considerar anualmente.

Somos uma cultura dos litígios; é um esporte nacional; fofocas, fake news, briga de vizinhos, tudo vale nesse campeonato. Fala-se em ativismo judicial, mas, na verdade, trata-se de omissão dos demais poderes- Executivo e Legislativo em tratar de temas que lhe dizem respeito, como políticas públicas, saúde, educação, etc. Porque razão- jurídica ou lógica, é competência do STF tratar dos assuntos da pandemia/Covid19 e não, da União, Estados e Municípios?

Comprar ou não vacinas, equipamentos médicos, medidas administrativas e restrições, não seriam do âmbito do Executivo em suas três esferas de atuação? Isto leva, a que os tribunais superiores tomem decisões administrativas e até legislem substituindo o Poder Legislativo, ou suprindo a omissão- muitas vezes, dolosa, do Executivo.

Assim, a separação de poderes, dada pela CF, é ignorada e ultrapassada pela atuação judicial, às vezes, para isto provocada pelos demais poderes da federação, que querem deixar ao judiciário o ônus do desgaste público, de decisão que sabem, poderia desgasta-lo ou ferir os brios de suas “bases” eleitorais de apoio.

Assim, a interpretação do Direito se torna fluida e ao sabor de contigências de momento, ou atendendo a pressões de segmentos políticos e sociais relevantes, pelo domínio ou manipulação da mídia, redes sociais ou grupos específicos (religiosos, por exemplo).

O Direito tem se feito valer, nos últimos tempos, não pelo seu poder de coerção da norma legal, mas, pelo controle de símbolos ou ideologias do dia- políticas, religiosas, ou outras, que buscam representar a vida social e por elas decidir. A cidadania é anulada, o cidadão comum é subjugado por um novo big brother- novo grande irmão, protetor dos desvalidos.

Desse modo, a democracia é o espaço para a judicialização da vida comum, por aqueles que a sabem manipular para alcançar seus próprios- e muitas vezes, inconfessáveis, interesses.

O STF, nesses casos, se torna não o guardião da Carta Magna, mas o defensor de interesses de elites e grupos de pressão poderosos, através de decisões que fogem ao texto constitucional para abraçar novas “interpretações” e leituras da Carta, por exemplo, ensino religioso nas escolas públicas, com o STF permitindo a catequese de alunos nas escolas públicas, ignorando a separação Igreja-Estado e o caráter facultativo de tal ensino ou disciplina.

Alguns observadores condenam essas práticas, pois tais assuntos saem da esfera legislativa, para o crivo judicial, ou seja, saindo do escrutínio de parlamentares, para o voto ou votos de um colegiado restrito e não eleito.

A judicialização da política, da economia, ou da vida comum, como vimos assistindo, não é ação isolada do judiciário, mas, ao contrário, parece indicar uma ação coordenada ente os diversos atores políticos e sociais da vida brasileira, em busca, como dissemos, de interesses bem definidos a cada um.

Tanto as oposições veem o judiciário como canal para frustar ações governamentais, como o governo age para manter decretos ou leis que sabe inconstitucionais-das armas, por exemplo.

Do mesmo modo, grupos socais diversos na manutenção de privilégios ou isenções que são comuns a todos, como no caso, da taxação de lucros das igrejas.

Assim, a decisão das Cortes Superiores, tem grande impacto não só vida política e econômica do país, mas na vida comum do cidadão que, ao final, paga a conta da decisão, via novas taxações ou aumento de impostos, ou restrição de direitos fundamentais.

O judiciário assim, aparece como um poder político, novo ator não eleito, sobrepujando o legislativo e executivo, e impondo uma nova visão ou regra nacional, que vai, em muitos casos, enfraquecer a atuação destes, sua independência ou legitimidade, com impacto até em políticas públicas que vão atingir os cidadãos, alheios a esta briga de gigantes. Essa crescente judicialização não só da política, mas da nossa vida comum, é salutar?

Esse ativismo judicial traz benefícios à democracia e nossa vida social e comunitária? Sim e não. Sim, se seus efeitos contribuírem para a melhor da qualidade de vida dos cidadãos, para melhores políticas públicas necessárias ao aumento da renda e emprego, liberdades de opinião. Não, como assistimos hoje, quando tais decisões cerceiam e cassam direitos fundamentais, criam confusão política nas esferas de poder e ação da União, Estados e Municípios, e suscitam novas demandas judiciais.

É um aspecto complexo, pois não se restringe apenas as altas esferas políticas e de grupos organizados, mas, alcança o homem comum, muitas vezes indiferente ou desconhecedor desses embates que o alcançarão, sem dúvida. A Magna Carta precisa vigorar, efetivamente, para todos.

Auremácio Carvalho é advogado.



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