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Opinião
Sexta - 07 de Maio de 2021 às 06:19
Por: José Ricardo Costa Marque Corbelino

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Até este ano, no Brasil não existia um delito que punisse a violência consistente na ‘invasão da privacidade’ da vítima com o objetivo de danificar sua integridade psicológica e emocional, de maneira habitual.

O Projeto de Lei 1.369/19, aprovado pelo Senado Federal sem nenhum voto contrário, como todos sabem, foi sancionado pelo Presidente Jair Bolsonaro em março do corrente justamente no mês da mulher.

A nova Lei n.º 14.132/2021 inseriu no dispositivo do art. 147-A, crime de perseguição, prática popularmente conhecida como stalking.

O novo crime é definido pelo ato de perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio (digital ou físico), ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Essa perseguição deve ameaçar a integridade física ou psicológica da vítima, de modo que lhe restrinja a capacidade de locomoção ou invada sua esfera de liberdade e privacidade. Um bom exemplo para ilustrar é o da vítima que, em razão da importunação do perseguidor, se vê amedrontada e impossibilitada de sair de casa. Nesse sentido, é importante destacar que esse é um crime que visa proteger a liberdade individual como bem jurídico.

Ademais, o stalking está inserido no capítulo “dos crimes contra a liberdade individual”, reforçando ainda mais essa tônica de proteção. Além disso, a perseguição pode ser cometida por qualquer meio, inclusive pela internet, através do cyberstalikng, cuja prática, como dito inicialmente, tem se tornando ainda mais comum nos dias atuais.

Não obstante a necessidade de atualizar a legislação criminal, alguns pontos merecem atenção. Em primeiro lugar, as reformas pontuais aos códigos, em regra, produzem alterações assistemáticas, transformando o sistema normativo em uma colcha de retalhos.

Esse dado pode ser percebido no posicionamento do novo tipo penal na Seção I do Capítulo VI do Código Penal, que dispõe sobre os crimes contra a liberdade (individual e pessoal). Muito embora o crime de perseguição possa até configurar um crime contra a liberdade, na grande maioria dos casos se traduzirá como uma violência psicológica, com afetação secundária ou inexistente da liberdade de locomoção. O ponto central, portanto, estará no reconhecimento de que uma perseguição reiterada poderá causar um sofrimento emocional substancial na vítima que pode ou não resultar em uma restrição de sua liberdade e de sua autodeterminação.

Esse tratamento secundário ao dano psicológico parece sugerir que a violência (especialmente contra a mulher) somente seria objeto de atenção nos casos de derramamento de sangue, encorajando um determinado ceticismo quanto à possibilidade dos danos psicológicos causados às mais saudáveis das mentes, desconsiderando traumas duradouros e a possibilidade de patologias mentais profundas que podem decorrer de anos de subjugação psicológica, fortalecendo, portanto, a manutenção de uma cultura machista e desigual, incompatível com os valores expressados e tutelados pelo Direito interno e pelo Direito convencional.

Destacou-se a importância da nova tipificação ao citar dados da Organização Mundial da Saúde de 2017 que apontava o Brasil como o país com a quinta maior taxa de feminicídios por 100 mil mulheres em todo o mundo, sendo que 76% são cometidos por pessoas próximas à vítima.

Sabe-se, que a lei Maria da Penha (11.340/06) estabelece que a violência doméstica e familiar contra a mulher consiste em qualquer ação fundada no gênero que cause lesão psicológica. Como não há dúvidas de que o stalking pode ser uma forma de violência psíquica contra a mulher, ao agressor é também passível a aplicação das medidas protetivas de urgência previstas nessa lei.

Como se nota, o tema é bastante delicado, mas é importante que quem sofra uma situação de perseguição desta natureza não permaneça em silêncio e busque informações e seus direitos sobre como evitar, que a conduta de seu agressor se perpetue e quais os mecanismos legais para enfrentar o problema. Por outro lado, é preciso distinguir a perseguição obsessiva virtual do acompanhamento, ainda que contundente, nas redes sociais.

Por derradeiro, vale lembrar que as mídias sociais possuem ferramentas para que o usuário limite a sua exposição, com avançadas definições de privacidade, o que pode evitar situações indesejadas e comportamentos obsessivos de potenciais cyberstalkers.

José Ricardo Costa Marque Corbelino é advogado e membro da ABRACRIM.



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