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Opinião
Segunda - 11 de Outubro de 2021 às 06:47
Por: Marcelo Augusto Portocarrero

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Nos anos setenta conheci um homem que mais tarde e por razões que a vida não explica veio a ser o bisavô de meus filhos, em razão disso me foi dado o privilégio de conhece-lo profundamente.

Manoel Ramos Lino, Seu Manequinho, como nós o chamávamos, foi dessas pessoas difíceis de traduzir, mas fáceis de gostar.

Possuidor de enorme força de vontade e afeito aos desafios do cotidiano foi, por assim dizer, uma das primeiras pessoas que conheci a se envolver diretamente na preservação da natureza, e o fazia através de ações desenvolvidas na preservação das árvores frutíferas da cidade. Coisa que naquela época era interpretada como um exagero, quando não esquisitice.

Ao dizer árvores frutíferas, me refiro àquelas que tínhamos nos quintais, víamos nos terrenos baldios, e encontrávamos no entorno da cidade, em suas ruas e praças. Por obvio, que não estou me referindo às importadas, dessas que estão nas gondolas de supermercados e frutarias e sim das genuinamente matogrossenses, as da terra, como no dizer do nosso povo.

Será que nas famílias e no casario antigo conseguiremos encontrar as espécies de frutas de que falo e assim recuperar o pomar cuiabano?

Onde estão os pés de SAPOTI, JABUTICABA, UMBÚ, ABIL, CARAMBOLA, GOIABA, BOCAIUVA e uma outra já muito rara naquela época, a FRUTA-BANANA. Até os pés de CAJA-MANGA, MANGA BOURBON, ROSA, COQUINHO, ESPADA e COMUNS, como chamávamos as que não tinham nome e que também estão sumindo, Que dizer então das PITOMBAS e INGÁS comprados de vendedores que em seus carrinhos de mão carregavam peixes, verduras, legumes e frutas da época. Tudo aquilo ainda me traz ao paladar gratas e saudosas lembranças degustativas do passado.


Foi em um 12 de outubro de anos atrás, dia da criança, que sentado embaixo do TAMARINEIRO do quintal da casa de meu sogro, o Coronel Octayde Jorge da Silva, personagem sobre quem ainda vou escrever um livro tamanha sua importância para a família, o ensino e a história de Cuiabá, que proseando com a família e vendo a criançada subir nas GOIABEIRAS, CAJUEIROS, PITOMBEIRAS e chuçar as MANGUEIRAS me veio na memória a época em que aquelas outras frutas, as que meus filhos não conheceram, eram fáceis de encontrar em qualquer canto da cidade.

Naquele tempo, Seu Manequinho não permitia que jogássemos fora as latas de conserva, sacos plásticos ou qualquer outro recipiente que fosse possível encher com terra e colocar dentro sementes para produzir mudas. Com invejável vitalidade, armado de sua capacidade de cativar pessoas e aproveitando de suas permanentes andanças no trabalho diuturno que fazia para o Abrigo Assistencial aos Indigentes, Cegos, Inválidos e Desvalidos de Cuiabá, associação de defesa dos direitos sociais por ele fundada e levada adiante, aquele homem simplesmente ia procurando árvores frutíferas e coletando seus frutos para depois, nos finais de semana, descansar transformando sementes em mudas para dar aos amigos e para quem quisesse participar daquele seu esforço anônimo e pioneiro.

Como sei disso? Bem, acontece que quando me casei Seu Manequinho, avô de minha esposa, tinha disponível um anexo em sua residência (na esquina da Rua Presidente Marques com a Rua Cursino Amarante) onde uma de suas filha, Luiza Helena, a mais nova, havia morado quando casou e ele nos ofereceu o lugar de modo a que economizássemos no início da vida conjugal e ao mesmo tempo fizéssemos companhia a ele Dona Elza e Haroldinho, o filho caçula, e assim foi por dois maravilhosos anos.

Infelizmente Seu Manequinho morreu em 1983 aos 78 anos de idade, ainda muito cedo para uma pessoa de seu espectro social e intelectual. Com ele se foi, entre outras coisas, a luta pela preservação das árvores frutíferas. Naquele tempo não havia ação pública nesse sentido, exceto o trabalho do Horto Florestal, que por razão desconhecida pouco se empenhava em resgatar e distribuir as mudas a que me refiro, quanto mais plantá-las em locais públicos como praças e canteiros para que todos pudessem delas se beneficiar. Essas frutas, longe de serem recordações sem importância são antes de tudo alimento e fontes de vitaminas, principalmente para as crianças carentes que aí estão a procura-las nas poucas casas que ainda as têm como acontecia na casa do Cel. Octayde.

Os cuiabanos de raiz ainda devem se lembrar do lugar, um muro alto com portão de grade que escondia a casa e o enorme pomar localizados na área central da quadra que fica entre as ruas Barão de Melgaço, Candido Mariano, Pedro Celestino e Campo Grande, bem no centro de Cuiabá onde hoje está o estacionamento chamado Coronel Park em singela homenagem.

Lá, resistindo ao tempo ainda estão um enorme TAMARINEIRO, uma ATEIRA, um LIMOEIRO e uma JABOTICABEIRA, últimas testemunhas do que já foi um quintal cuiabano de chapa e cruz.

Ainda existem outras casas assim na cidade, mas aos poucos estão dando lugar a novas edificações que acabam por descaracterizar o glorioso passado de Cuiabá quando era conhecida como a Cidade Verde. Alguns dizem ser o preço do progresso, mas convenhamos, o desenvolvimento não precisa ser tão cruel com a natureza. Até os pássaros estão abandonando a cidade por não terem frutas para comer. Restam pardais e pombas, aves estranhas aos nossos antigos quintais onde os sabiás não cantam mais.

Cabe aqui um apelo às autoridades, para que desenvolvam campanhas de recuperação das árvores frutíferas de forma a que sejam plantadas em praças, canteiros, residências, condomínios, empresas, indústrias e clubes para que possamos ao mesmo tempo confortar nossas memórias, preservar nossa história, voltar a alimentar os pássaros e acima de tudo os mais carentes, isso sem falar dos benefícios à saúde que trazem consigo.

Será que ainda existem por aqui pés de PITANGA e CAJÁ (do amarelinho), aquelas frutas que só de lembrar enchem a boca de saliva?

Será que nas famílias e no casario antigo conseguiremos encontrar as espécies de frutas de que falo e assim recuperar o pomar cuiabano?

Tenho certeza que todos os que lerem esse artigo sentirão no paladar o sabor daquelas frutas e procurarão, como estou procurando, recordar o lugar onde viram pela última vez pelo menos uma das árvores cujos frutos tanto adoçaram nosso passado.

Se você as tem em sua propriedade faça um pequeno esforço comunitário, produza mudas ou permita que alguém o faça e dê aos amigos, vizinhos e até a desconhecidos. Caso prefira, entre em contato com o Horto Florestal para que eles, os técnicos no assunto, coletem, produzam e distribuam nossas saudosas árvores frutíferas.

Tenho certeza que Seu Manequinho, um obstinado obreiro do Grande Arquiteto do Universo, vai agradecer lá do Oriente Eterno onde se encontra.

MARCELO AUGUSTO PORTOCARRERO é engenheiro civil.



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