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Opinião
Quarta - 26 de Janeiro de 2022 às 11:52
Por: Valfredo da Mota Menezes

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Desde que o mundo é mundo, ou pelo menos desde que a história foi registrada, há sempre alguém querendo ser superior ou ter mais que o outro. Mesmo que a sociedade em determinada época buscasse uma igualdade entre os seus membros, alguma pessoa ou grupo se impôs pela força e/ou pelo misticismo.

Famílias inteiras, em associação com os sacerdotes, passavam a controlar a sociedade pela força, pelo medo e pelo conformismo religioso. Diziam que foram “escolhidos pelo próprio Deus” e que todos lhes deviam obediência e trabalho.

Essas famílias reais não trabalhavam. Os sacerdotes também não trabalhavam. Eram os plebeus que trabalhavam e sustentavam os donos do poder.

Com seu exército, esses poderosos invadiam outras terras e transformavam os habitantes dominados em escravos. Apenas os escravos e os plebeus trabalhavam. A exploração era incorporada, fazia parte da cultura daquelas sociedades.

A obediência era cobrada como um dever para com Deus. Era necessário sofrer na terra para ter o “reino do céu”. Com o tempo, entretanto, alguns indivíduos dessas sociedades começaram a contestar essa cultura. Religiosos subalternos começaram a pôr em dúvida as afirmações da cúpula.

Desde que o mundo é mundo há sempre alguém querendo ser superior

Houve ruptura, revoltas, tentativas de deposição dos nobres, matança de muita gente, mudanças nas relações sociais. A luta revolucionária da plebe, inicialmente associada à burguesia, derrubou reinos e impôs repúblicas.

Entretanto, depois, em lutas internas, a burguesia assumiu o poder dos monarcas, matou todos os líderes populares, a sociedade volta a ser dividida e, novamente, a plebe volta a ser explorada.

Com o passar do tempo, as lutas e revoltas populares, assim como algumas novas orientações religiosas, provocaram uma mudança profunda na sociedade. Já quase não havia escravidão e o trabalho passou a ser “abençoado por Deus". Todos trabalhavam.

Essa mudança provoca o fim do feudalismo e o desenvolvimento de um novo regime social, o capitalismo. Entretanto, também nesse novo regime, a sociedade continuou dividida entre dois grupos, um minoritário, mas, que controla e possui a maioria dos meios de produção, chamado de burguesia ou capitalista e outro maioritário, sem controle sobre os meios de produção, que vende o seu trabalho, chamado assalariado ou apenas trabalhador ou proletário.

Já antes desse período, mas que continuou também no regime capitalista, os membros da elite perceberam a necessidade de estabelecer algumas normas para a convivência desses dois lados da sociedade. Foram criando regras, leis, estruturas burocráticas, de segurança, estruturas jurídicas e outras que, progressivamente, levaram a formação do “Estado”.

Porém, nem tudo o que foi estabelecido foi consensual. Desde o início até a atualidade sempre houve disputas ferrenhas entre os dois lados, no sentido de aumentar o controle do Estado para o benefício de um dos grupos.

No nosso país e em muitos países latino-americanos, o regime feudal ainda caminhou ao lado do capitalismo por muitos anos. A escravidão mantinha a riqueza nas mãos do “coronel” capitalista.

Apenas os escravos trabalhavam. Depois da abolição, a elite capitalista importou mão-de-obra europeia para a produção rural e para a incipiente indústria e a maioria dos negros escravos foi abandonada. Sem escolas, sem instrução profissionalizante e sem terras, migraram para a periferia das grandes cidades onde, a maioria, ainda continua.

A tensão entre os dois lados se mantém. Para evitar uma ruptura e/ou diminuir as tensões são realizadas, de tempos em tempos, votações para eleger quem deverá controlar o Estado.

No início, só a burguesia votava. Só depois de muita luta todos os proletários foram incluídos como eleitores.

Ninguém mais fala que a disputa é entre pobres e ricos, entre capital e trabalho. Passou-se a chamar apenas de esquerda e de direita. Desde o século dezenove, mas principalmente no século vinte, revistas e jornais da burguesia se encarregaram de definir e dar novos significados para a esquerda: “contra a família, contra a sua propriedade”, “contra a liberdade”. “É comunista e comunista é anticristo”.

Definiram também novos significados para a direita: “cristã”, “a favor dos bons costumes, da propriedade, da família e da liberdade”.

A ignorância e o medo foram, com o tempo e a repetição, transformando essas definições em verdades para grande parte da população. Os partidos viraram agremiações e alguns políticos viraram santos. Paixões embotam a consciência de classe. Pessoas transformam a estupidez de alguns políticos em virtudes. Passamos, como no futebol, a ter torcidas. “Torço pelo River porque não gosto do Flamengo”.

Tudo que se tenta fazer para a conscientização do povo e mostrar a profundidade da questão é escamoteado pelos “especialistas” ouvidos pela grande imprensa. Criaram também termos que foram, progressivamente, tornados pejorativos ou positivos na dependência de seus interesses. Quem é a favor do povo é “populista”.

Quem é a favor de o Estado cuidar dos pobres, mesmo que seja somente com educação e saúde, é “estatizante” e “perdulário”.

Apregoam contra a “ditadura” do Estado, que “não deve controlar o mercado”. “O lucro do capital é o que mantém o seu emprego”. “Quanto menor o tamanho do Estado, menos gastos desnecessários”. “A confiança virá com as reformas e com as privatizações”. “Temos que modernizar as leis trabalhistas”. “O Estado não sabe administrar, temos que privatizar”.

O patrão já não te chama de empregado, agora você é um ”Colaborador”. Não há mais a necessidade de esclarecer o que é tudo isso, basta usar os termos positivos ou negativos e aprofundar a narrativa.

Conheço dezenas de bons profissionais da área de saúde e de outras áreas que, embora tenham uma ação humanitária e solidária com os pobres, incoerentemente votam naqueles que querem diminuir o SUS, diminuir as Universidades e, consequentemente, diminuir o Estado. Absorveram as narrativas e dizem, acriticamente, “não voto na esquerda”.

É no processo eleitoral que vamos escolher qual dos dois lados vai dirigir o Estado. Nesse momento é que você deve decidir “de que lado você está”. Se você, mesmo conhecendo a história, acha que o capitalista vai trazer benefícios para você e sua família, vote nele.

Valfredo da Mota Menezes é médico, professor da UFMT aposentado.



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