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Domingo - 13 de Junho de 2010 às 05:13

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Na próxima terça-feira, às 15h30 (de Brasília), serão 190 milhões de brasileiros em ação contra 29 norte-coreanos.

Enquanto o Brasil se orgulha de ter uma população inteira na torcida por sua seleção, na Coreia do Norte não haverá transmissão da partida. Resta aos imigrantes de um dos países mais fechados do mundo torcerem pela sua seleção fora do país.

Segundo dados da Polícia Federal, porém, são apenas 29 norte-coreanos vivendo legalmente no Brasil. Seis a mais do que os convocados para a Copa do Mundo.

A Folha.com encontrou um deles. Na verdade, um que não consta nos cálculos oficiais.

"Eu já não tenho documentos da Coreia do Norte. E conheço algumas histórias iguais. Mas ninguém gosta de falar, de contar. Acho que é medo. Lá são sensíveis, não podem criticar o governo [do ditador Kim Jong-Il], e aqui [no Brasil] não ficamos tranquilos. Eles [do governo norte-coreano] querem descobrir quem critica o governo", explica Bong Jun-Kim, ou Paulo, como é conhecido no bairro do Brás, em São Paulo, onde tem uma confecção de roupas femininas.

 

Alessandro Shinoda/Folhapress
** MATERIA ESPECIAL** - SAO PAULO, SP, BRASIL, 11-06-2010, 17:00. Imigrante norte-coreano, Paulo, em sua loja de confecao no Bras. Paulo veio ao Brasil ha 40 anos depois de enfrentar a Guerra das Coreias quando era criana, hoje e casado com netos e filhos. (Foto: Alessandro Shinoda/Folhapress,ESPORTES)
Norte-coreano Bong, ou Paulo, em sua confecção




Ainda de acordo com a PF, há 18.313 sul-coreanos cadastrados no país, 16.325 em SP (15.144 em São Paulo). A comunidade coreana, imigrantes e descendentes, é estimada em 50 mil. Paulo, aos 69 anos, é um deles. Pois foi a maneira que encontrou de permanecer "tranquilo" e com "uma vida boa" na capital paulista.

"Nasci em Pyongyang, na Coreia do Norte, em 19 de janeiro de 1941. Quando começou a Guerra da Coreia [25 de junho de 1950 a 27 de julho de 1953], eu, minha mãe, dois irmãos, uma cunhada e um sobrinho nos mudamos para o Sul, para a democracia. Meu pai já havia morrido. Minha família ficou em In Chon, uma cidade perto de Seul. Lá, eu estudei e cursei engenharia civil em uma universidade na capital", conta Paulo, que gostava de jogar futebol no colégio no qual estudava na Coreia do Norte. Quando foi para o Sul, entretanto, via os colegas dedicarem-se apenas ao beisebol.

No pós-guerra, o desemprego assolou os coreanos. As dificuldades fizeram com que os jovens procurassem o exército. Foi quando Paulo teve um medo: ter que enfrentar o próprio povo. "Era triste. Tinha medo de precisar lutar contra o Norte", diz. Desistiu do exército após três anos. Entrou em uma escola que dava licença para trabalhar em navios. Foi para o Paraguai. Mais três anos e, via Ponte da Amizade, chegou ao Brasil.

 

Marcel Merguizo/Folhapress
 ** MATERIA ESPECIAL** - SAO PAULO, SP, BRASIL, 11-06-2010, 17:00. Imigrante norte-coreano, Paulo, em sua loja de confecao no Bras. Paulo veio ao Brasil ha 40 anos depois de enfrentar a Guerra das Coreias quando era criana, hoje e casado com netos e filhos.
Imigrante aponta para reportagem sobre Copa em jornal em coreano




"Sozinho, virei vendedor ambulante. Vendia roupa masculina. Não falava português, somente um pouco de inglês. Alguns me ajudavam. Então, conheci um tapeceiro, Antônio. Fui morar com ele, perto da avenida Angélica. Moravam ele e a mulher dele, Neuza. Foi ela quem me deu o nome de Paulo. Disse para eu escolher um nome "brasileiro". Gostei de Paulo", recordou.

Aquela força de vontade toda estava no sangue. E uma das inspirações, no futebol. "Lembro muito pouco da Copa de 1966. Sei que o povo da Coreia tinha fome na época. Forçaram a ida da seleção para o Mundial. E eu gostava daquele esforço deles."

A Inglaterra abrigou aquela Copa do Mundo. Foi o primeiro, e até 2010 o único, Mundial do qual a Coreia do Norte participou. Foram quatro jogos, com uma vitória (Itália, 1 a 0), um empate (Chile, 1 a 1) e uma derrota (URSS, 3 a 0), na 1ª fase, e a derrota para Portugal (5 a 3) nas quartas de final.

Paulo ainda voltou ao Paraguai, onde conheceu a mulher Miriam [nome também escolhido no Brasil] com quem teve dois filhos [um já falecido]. Hoje, tem um neto, de 2 anos. Desde 1987, graças também aos filhos nascidos no país, Paulo e Miriam regularizaram a situação de permanência no país.

"Tenho saudades da Coreia do Norte. Mas não posso ir para lá. A política é muito triste. Gosto da democracia. Graças a Deus, minha vida é aqui no Brasil. É ruim viver lá [na Coreia do Norte]. No Sul, é diferente, e mudou muito nos últimos 40 anos. Muita tecnologia. Não concordo com o comunismo. E o Brasil é lindo", disse, com sorriso largo quando fala dos últimos 40 anos de vida brasileira.

 

Marcel Merguizo/Folhapress
 ** MATERIA ESPECIAL** - SAO PAULO, SP, BRASIL, 11-06-2010, 17:00. Imigrante norte-coreano, Paulo, em sua loja de confecao no Bras. Paulo veio ao Brasil ha 40 anos depois de enfrentar a Guerra das Coreias quando era criana, hoje e casado com netos e filhos.
Paulo reclamou de tabela da Copa que não destaca jogos da Coreia do Norte




Na terça-feira, porém, quer sorrir como norte-coreano. "Na Copa, sou Coreia do Norte. Não tem jeito... [sorri]. Podem obrigar alguém a torcer por outro país? É sentimento. Contra o Brasil, também vou torcer pela Coreia. Mas, quando o Brasil jogar contra outra seleção, torcerei pelo Brasil. Já são 40 anos aqui, né? Meu filho e meu neto são brasileiros. Os outros jogos? Vou torcer pela Coreia do Norte, pela Coreia do Sul e pelo Brasil. Coreano luta pela paz."

O filho e o neto, ele sabe, vão torcer pelo Brasil. Ele também, mas apenas depois de terça-feira. Mas vai continuar dividindo o coração com as Coreias. "Na comunidade, não há norte-coreanos ou sul-coreanos. Ninguém fala que é norte-coreano. Não há imigrantes vindos do Norte. Quer dizer, há em pensamento, em sentimento [aponta para a cabeça e para o peito]."

Religioso, acredita que os dois países voltarão a ser um só. "Espero voltar a ver as Coreias juntas, uma só Coreia. Minha história é triste. Essa história é triste. Não é culpa dos coreanos. Deus resolverá o assunto a qualquer momento. Mas não sei se verei."






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