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Domingo - 07 de Julho de 2013 às 22:33
Por: LISLAINE DOS ANJOS

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“Febre” que tomou conta do país, as empresas que oferecem lucros exorbitantes em um curto espaço de tempo estão entre as líderes do ranking de requisições de informação da Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) em Mato Grosso.



 
Apenas nos últimos três meses, mais de 2.050 ligações foram contabilizadas no órgão apresentando denúncias ou solicitando informações.



 
Segundo o gerente de Fiscalização e Controle do Procon-MT, Ivo Vinícius Firmo, no entanto, apenas quatro reclamações foram oficializadas no órgão por pessoas que participaram de empresas hoje investigadas e que se sentiram lesadas de alguma forma: três contra a Telexfree (que divulga a venda de pacotes de telefonia VoIP) e uma contra a BBom (que trata da venda de rastreadores veiculares). 



 
“Esse assunto é extremamente demandado. A pessoa quer saber se determinada empresa é legal ou não, se o investimento e operação tem muito risco, enfim”, afirmou.



 
Apesar do caso da Telexfree ter se tornado mais conhecido – a empresa foi investigada e teve as atividades suspensas em todo o país pela Justiça do Acre –, há outras empresas sob a mira da Justiça.



 
Dados da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCON) divulgados pelo site G1 apontam que, atualmente, há nove empresas sob investigação dos ministérios públicos de todo o país por apresentarem, segundo a MPCON, “fortes indícios” de formação de pirâmides, o que é considerado ilegal pela legislação brasileira.



 
Os nomes não foram divulgados mas, atualmente, já é de conhecimento público que outra empresa que passou a ser investigada se trata da BBom.



 
“Elas estão se multiplicando pelo país, sempre oferecendo lucro muito fácil, e é por isso que levantaram-se suspeitas dos Ministérios Públicos, do Ministério da Justiça. Esse caso mais famoso, por exemplo, já é fruto dessas investigações. A decisão, apesar de provisória, aponta que há indícios de pirâmide”, disse Firmo.



 
O gerente do Procon alerta a população para os riscos que a atividade envolve, principalmente pelo uso da internet e das redes sociais como ferramentas de divulgação e alcance muito rápido.



 
“A primeira coisa a desconfiar é o lucro fácil. Se você vai colocar seu dinheiro em um investimento, você deve se questionar sobre qual é o negócio, o produto a ser comercializado ali. Ele tem rentabilidade? Aquele produto ou serviço vendido garante aquela lucratividade? Ou o rendimento que você vai aferir é de acordo com os novos investidores que vão entrar?”, questionou.



 
Firmo salientou ainda que, quanto maior a margem de lucro oferecida, maior o risco – ainda que a pessoa consiga acumular uma boa renda por algum tempo.



 
"Virou uma febre, quase igual ao narcotráfico. Você não consegue ver onde é a ponta. "


 
“Para isso podemos lembrar o caso da Avestruz Master, que teve anos atrás. Era ofertado como um negócio bom e lucrativo, com um grande mercado e a carne de qualidade. Só que a pessoa não ganhava lucro da venda do avestruz. O animal não era o objeto do negócio, e sim aqueles que entravam depois e colocavam mais dinheiro que remuneravam os que entravam antes”, disse.



 
Cenário propício



 
Para o economista e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Antônio Humberto de Oliveira, o cenário político e econômico atual do país é frágil e justifica o “boom” de ofertas dessas empresas em todo o país – principalmente nos estados periféricos, por onde elas deram entrada em direção aos grandes centros, como São Paulo e Brasília.



 
Em entrevista ao MidiaNews, ele salientou que a população brasileira está descrente e sem perspectiva de futuro, principalmente aquelas pessoas inseridas na porcentagem economicamente ativa (de 18 a 69 anos), mas que perderam o estímulo ou estão desempregadas.



 
Esse é o momento “ideal”, segundo ele, para essas empresas explorarem esse nicho que está descontente por não terem as mesmas oportunidades de emprego e qualificação, e que acabam por buscar um ganho fácil, por meio da economia informal, onde as pirâmides financeiras estão inseridas.



 
“É uma convulsão social, propícia desse momento de intranquilidade. A população vê a saúde, a educação e o transporte público indo mal, a corrupção proliferando e um grupo de privilegiados. Daí ela pensa: eu vou furar esse grupo. Foi assim que esse movimento aflorou”, explicou.



 
Professor Antônio Humberto: cenário frágil do país é propício para o "boom" das pirâmides financeiras Oliveira defende que a falta de políticas públicas, reformas institucionais – principalmente no que se refere aos aspectos financeiros, trabalhistas e salariais – empurram as pessoas para ingressarem em atividades de mercado arriscadas de maneira “aloprada”, sem avaliar os riscos econômicos a que expõem a si mesmas e ao próximo que ela convida para ingressar na empresa.


 
“Se eu tenho a oportunidade, eu vou correr pra entrar, mesmo se eu der o ‘tombo’ em alguém. Porque isso é fato: alguém vai dar o ‘tombo’ em alguém. Aí elas pensam: ‘eu ganhei o meu, então eu posso parar’. Mas esse é o problema. Ninguém pode parar. Se não a pirâmide quebra. Aí está o risco. Em um cassino, se você começa a perder você sai. Na pirâmide não tem como sair. Então, a pessoa sempre vai tentar recuperar e, a cada vez que ela faz isso, a tendência é que ela se afunde ainda mais”, afirmou.


 
Segundo o economista, o problema está, principalmente, no fato de as pessoas estarem substituindo seus bens materiais ou contraindo empréstimos para aplicarem em um sistema frágil, que não depende apenas de seus esforços para se sustentar e permanecer ativo e onde não há o recolhimento de impostos.


 
“Poderia ser legal, se a pessoa dispusesse de um excedente e aplicasse esse dinheiro. Mas as pessoas estão dispondo de um bem, que pode ser um 13º salário, férias, aplicações na poupança, mas que não é excedente. E na hora em que ele colocou, ele transformou esse objeto em risco. E a pirâmide segue o efeito dominó: não levanta depois que cair”, ressaltou.


 
Ele argumentou que a “febre das pirâmides” financeiras é alimentada, ainda, pela “sensação emocional que apela para o consumo” – o que se torna sedutor aos brasileiros que encaram taxas de juros, inflação e taxas de câmbio cada vez mais altos e uma “situação social inconstitucional”.


 
“Entre que você vai ganhar um iate, vai comprar uma Ferrari. O que leva a essa situação emocional? A intranquilidade interna do país. Razão pela qual muita gente entrou ao mesmo tempo. Aqui em Cuiabá, por exemplo, há pessoas falando de ricos emergentes: fulano comprou uma casa de R$ 180 mil – mas ninguém viu a casa dele. Então virou uma publicidade, principalmente por meio da comunicação rápida entre as pessoas, mas sem materialização”, afirmou.


 
 "A pirâmide segue o efeito dominó: não levanta depois que cair"
Insegurança jurídica


 
Oliveira explicou que o principal problema nos esquemas de pirâmides financeiras é a falta de personalidade jurídica e a fragilidade dos contratos firmados entre a empresa e o divulgador/investidor que, em casos de problemas ou de quebras, não terá a quem recorrer ou de quem cobrar seus direitos.


 
“Virou uma febre, quase igual ao narcotráfico. Você não consegue ver onde é a ponta. Por ser uma pirâmide, você sabe quem te levou para a empresa, não quem fundou, quem está lá em cima. Você não tem a representativade jurídica. Na hora que quebrar, você não tem de quem cobrar, a quem recorrer”, disse.


 
Ele citou como exemplo um outro caso de pirâmide financeira que causou prejuízo a milhares de pessoas, anos atrás.


 
“Já tivemos outros problemas causados pela euforia do momento. Além do caso da Avestruz Master, podemos relembrar a Boi Gordo, que muita gente entrou, investiu dinheiro e hoje temos mais de 40 mil pessoas envolvidas em processo judicial”, recordou.



Site da Telexfree: empresa é investigada pelo MP do Acre Para Oliveira, as pessoas mergulham em empresas que garantem lucro fácil seguindo a “Lei de Gerson”, teoria econômica que, de acordo com o professor, é regida pelo pensamento de que a pessoa precisa levar vantagem.



 
“A pessoa pensa: eu entro logo e vou salvar o que é meu. Não interessa como, eu vou garantir o meu lucro. Os outros que se virem. Nós estamos sem gestão. Daí virou uma eterna ‘ola’: todo mundo entrou na onda e agora tem que aguardar os novos passos das investigações da Justiça”, disse.


 
Ele defende que cabe, agora, à Delegacia Fazendária identificar essas redes de economia informal, ver qual é a receita que é destinada ao Tesouro Nacional e, combinada com essa ação, descobrir os criadores de cada pirâmide.


 
“Hoje a Delegacia Fazendária não tem a gestão da aplicação e do retorno desse investimento feito pelas pessoas. A Polícia Fazendária, a Receita Federal e os ministérios públicos têm que investigar isso: qual é o ganho e a segurança do investidor? Quem é essa pessoa jurídica? Já as pessoas que entram nisso devem se perguntar: qual é a garantia que eu tenho para investir dinheiro na sua empresa? Ela é reconhecida? Eu te conheço?”, disse.


 
Comportamento agressivo


 
O argumento mais usado pelas pessoas que se envolvem em pirâmides financeiras – o de que a atividade dá lucro – não é o ponto questionado pela Justiça e pelas entidades de proteção ao consumidor, segundo o gerente do Procon.


 
“Evidentemente que dá lucro. Não é essa a questão, porque o lucro dele é do investimento daqueles que vão entrar. A questão é se esse negócio, em longo prazo, tem potencial de lesar as pessoas que estão na base. A pirâmide financeira, por si só, uma hora vai quebrar. É regra. Por isso que ela é ilegal”, disse Firmo,.


 
"As pessoas que entram nisso devem se perguntar: qual é a garantia que eu tenho para investir dinheiro na sua empresa? Ela é reconhecida? Eu te conheço?"


 
Ele defende a decisão tomada pela Justiça – e muito criticada em passeatas e nas redes sociais pelos divulgadores da Telexfree – de bloquear a movimentação do dinheiro da empresa até que todo o seu funcionamento esteja esclarecido.



 
“A decisão judicial e a ação proposta pelo MP tem como interesse principal resguardar aqueles que colocaram dinheiro e evitar que novos investidores pudessem ser lesados. Por isso, foi proibida a comercialização e o cadastramento de novas pessoas. E para evitar prejuízo àqueles que já colocaram dinheiro, se buscou localizar o patrimônio da empresa e dos sócios e fazer o bloqueio, para fazer um ressarcimento mínimo do que foi colocado nessa operação”, explicou.



 
Ele criticou, ainda, a forma “reacionária” com que as pessoas envolvidas com empresas que apresentam indícios de pirâmide financeira defendem as atividades, derrubando sites e links que sugerem cautela quanto à atividade ou ameaçando a integridade daqueles que questionam o funcionamento da empresa.



 
“As pessoas estão absolutamente cegas, agressivas a qualquer pessoa que faz uma contraposição ou alerta em relação a isso. Você vê os casos da promotora e da juíza [do Acre] que foram ameaças de morte”, disse.



 
Sobre esse comportamento, o economista da UFMT defende que há, hoje, um “excesso de liberdade” no país que dá brechas para essa “agressividade gratuita”.



 
“É como se fosse uma paixão e, quando quebra, uma traição. Elas pensam: “não acredito que isso aconteceu, que está acontecendo ou que vai acontecer’. Elas agem como São Tomé: querem ver para crer”, disse.



 
Outro argumento muito usado nas redes sociais é quanto às empresas hoje sob investigação se tratarem de sistemas de marketing multinível e não pirâmides financeiras, o que também é desconstruído pelo professor universitário.



 
“Por que se chama pirâmide? Porque tem que ser algo contínuo, sequenciado, e sempre tem alguém que está no topo. Network, marketing multinível, pirâmide, e-commerce: é tudo a mesma coisa, uma rede de mercado. O sentido é o mesmo. Se me perguntarem, eu oriento a não entrarem, porque você não tem certeza de onde esse negócio vai se caracterizar”, disse.



 
Outros processos



 
Em entrevista ao G1, o presidente do MPCON, Murilo de Moraes e Miranda, afirmou que breve outras empresas deverão ser alvos de denúncias à Justiça e que, caso a decisão judicial que bloqueou as atividades e bens da Telexfreee seja revertida, os ministérios públicos estão preparados para ingressarem com pedidos dentro de seus estados (clique AQUI).



 
Ele salientou ainda que a prática de pirâmide financeira, caso seja constatada, se configura como crime contra a economia popular, o que pode resultar em pena de seis meses a 2 anos de prisão, além de multa.



 
“Num esquema piramidal, a base sustenta quem está no topo. Ou seja, quanto mais a rede cresce, mais gente vai perder dinheiro a custa de um golpe de captação da poupança popular, com a venda de algo que, na prática, não existe", explicou o presidente .



 
O MPCON também estaria elaborando uma minuta de projeto de lei para transformar a pirâmide financeira em crime contra a ordem econômica e aumentar a pena para até 5 anos de reclusão, com a possibilidade ainda de agravante de mais um terço em caso de utilização de publicidade na internet.





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