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Repórter News - reporternews.com.br
Economia
Segunda - 27 de Novembro de 2006 às 15:03

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Exatos 25 anos atrás, 203 famílias sem terra foram convencidas pela ditadura militar a trocar um acampamento no Rio Grande do Sul, o maior que o país já tinha visto e gestor da organização que viria a ser o MST, por lotes no Mato Grosso.

A opção rendeu-lhes a pecha de "traidores" tanto no MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) como na Comissão Pastoral da Terra.

Mas os que permanecem em Lucas do Rio Verde (a 356 km de Cuiabá) se orgulham do que fizeram em 1981 e hoje têm vastas plantações de soja -a monocultura mais criticada por seus antigos companheiros.

No início dos anos 80, essas 203 famílias faziam parte do acampamento Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta (RS). ,À época, para desmobilizar os 2.500 camponeses, a Presidência da República enviou ao local o major Sebastião Curió.

Estratégia militar

Curió seguiu com uma estratégia pronta: ao oferecer lotes de terra em outros Estados, como no Norte e no Centro-Oeste, esvaziaria o acampamento e, ao mesmo tempo, enfraqueceria os líderes sem-terra e diminuiria o poder de mobilização da Pastoral da Terra no local.

A maioria das famílias preferiu rejeitar a oferta dos militares e permaneceu com o objetivo inicial de pressionar os governos federal e estadual a desapropriar áreas no próprio Rio Grande do Sul. A experiência contribuiu para a criação, em 1984, do MST. Outras 203 famílias, porém, cansadas da precariedade do acampamento e com poucas perspectivas de conseguir um pedaço de terra a curto prazo, cederam à proposta de Curió e foram para Mato Grosso, onde receberam lotes de 200 hectares (o equivalente a 280 campos de futebol) num projeto chamado Lucas do Rio Verde.

Na semana passada, a Folha esteve no município, atualmente com cerca de 25 mil habitantes, e localizou ex-sem-terra, hoje sojicultores de sucesso. O inusitado é que a base para ampliar suas propriedades -e construir piscinas, pagar faculdade e comprar caminhonetes- é justamente a monocultura da soja, demonizada pelos sem-terra como símbolo de devastação e de inviabilização da pequena agricultura.

Ildo Romancini, 51, atuou ao lado de João Pedro Stedile na comissão central da Encruzilhada Natalino. Ele preferiu aceitar a proposta dos militares. "Nos mandamos para Lucas no escuro. Sei que os demais ficaram chateados comigo. Mas a vontade era ter um pedaço de terra", diz Romancini, hoje dono de uma área de 600 hectares de soja.

Stedile

Stedile, hoje com 52 anos e na coordenação nacional do MST, diz que os camponeses foram "cooptados" pelos militares: "Alguns por desespero, medo, outros por oportunismo, pelo sonho de ficar rico". "Passados alguns anos, a maioria voltou mais pobre [ao RS]. Meia dúzia deles ficou rica comprando as terras dos vizinhos, beneficiada por regalias do Banco do Brasil e em troca das puxações de saco que faziam ao governo. Coitados, eles não têm consciência do papel que exerceram na época. Todas as famílias que resistiram conquistaram terra e vivem no Rio Grande do Sul", declara.

A fazenda de Romancini fica próxima à de Aquilino Sirtoli, 58, que transformou os 200 hectares doados pelo governo numa propriedade de 1.500 hectares. Na região central de Mato Grosso, cada hectare de soja representa uma colheita de 55 sacas (vendida por cerca de R$ 17 cada).

Sirtoli lembra a pressão dos militares para desmantelar o acampamento: "Se descobrissem algo contra você, uma conta atrasada ou outra dívida, eles anunciavam nos alto-falantes para todo o acampamento. Era uma forma de desmoralizar e desmobilizar. A pressão psicológica era muito forte".

Sirtoli recebeu a reportagem na sede de sua fazenda. Ao seu lado estava Airton Willers, que aos 12 anos deixou a Encruzilhada Natalino com os pais e duas irmãs. Ele conta que levou um ano para voltar a uma sala de aula. "Nem escola tinha por aqui", diz Willers, 37, responsável pelos 200 hectares de soja da família e de outros 160 hectares arrendados numa outra fazenda. Tudo em soja.

Willers e Sirtoli criticam o MST. "A causa é válida, tem muita gente boa. Mas os métodos dos líderes são muito pesados", diz Sirtoli. Para Willers, "é muita política no movimento". Agnor Vieira, 65, um dos fundadores do MST, resume a opção de Sirtoli e dos outros: "Foi muito grave, pois estava nascendo um movimento e essas famílias foram iludidas. Muito triste". Das 203 famílias, restam 12 em Lucas do Rio Verde.





Fonte: Da Redação

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